O empresário Eduardo Giraldes, casado com Julia Lotufo, viúva do ex-policial miliciano Adriano da Nóbrega, pretende gastar R$ 6 milhões em procedimentos judiciais para recuperar o passaporte da esposa - que está em posse da Justiça do Estado do Rio Janeiro, por força de medida cautelar para que ela não deixe o país. Além disso, já teria gasto outros R$ 6 milhões para conseguir a revogação de uma ordem de prisão preventiva de Lotufo.
É o que mostram conversas gravadas entre ele e ex-presidente da escola de samba Vila Isabel Bernardo Bello, acusado pela viúva de Adriano de ser o chefe do "Escritório do Crime" no Rio de Janeiro. O Brasil de Fato teve acesso a essas conversas. No diálogo, o empresário - que, por sua vez, também está com o passaporte apreendido por ser investigado em outros processos criminais - relata a Bello o seu plano de saída do país, bem como o custo financeiro envolvido:
"Eu paguei e paguei seis paus (milhões) e consegui a (prisão) domiciliar dela. Agora, hoje, o advogado pediu mais seis para poder liberar para ela responder em liberdade e tirar a cautelar dela, que é o passaporte, e (ela) vai continuar respondendo em liberdade, e vamos embora." (ouça a declaração no arquivo de áudio no topo desta página).
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Motorista da viúva contou à polícia onde estava escondido Adriano, diz Bello
Em outro ponto da conversa, Bello diz que, de certa forma, a viúva foi responsável pela morte do ex-companheiro, já que teria sido parada em uma blitz em seu automóvel, no dia 8 de fevereiro do ano passado, 24 horas antes da morte de Adriano, ao deixar o esconderijo do miliciano, localizado em um sítio de propriedade de Gilsinho da Dedé (PSL), vereador da cidade de Esplanada (BA), onde se escondia o ex-policial e então fugitivo da Justiça.
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"Ela ficou lá, com Adriano, até um dia antes dele morrer", diz Giraldes na conversa gravada (ouça acima). "E quem deu para a polícia (o local) onde ele tava foi o motorista dela, quando eles estavam saindo de lá, e pararam em uma blitz. A polícia 'atochou ela'. Tu não sabia dessa história? Ela nunca te contou?", pergunta Bello.
Na gíria obscura do Rio de Janeiro, "atochar" significa impor violentamente algo a um inimigo, em busca de vantagem para si. Veja um exemplo do uso da expressão no tuíte abaixo, escrito por Eduardo Bolsonaro.
Nunca se deve usar os termos desse pessoal, quem os utiliza já dá passos para perder a guerra de narrativa, pois é como aceitar - conscientemente ou não - que seu inimigo venceu e atochou na sua cabeça as expressões que ele criou para favorecer a teoria dele.
— Eduardo Bolsonaro🇧🇷 (@BolsonaroSP) December 14, 2020
A conversa a que a reportagem teve acesso ocorreu após o dia 26 de abril e antes do dia 17 de agosto deste ano, já que, em outro trecho do diálogo, Giraldes afirma ter atenção especial à tornozeleira da esposa (imposta pela Justiça a Lotufo no dia 26 de abril), para que o aparelho nunca ficasse sem bateria, evitando assim problemas com a Justiça, com o objetivo último de obter a liberação do passaporte da investigada.
Já no dia 17 de agosto, órgãos de imprensa do país publicaram a proposta de delação premiada da viúva ao Ministério Público, em que ela atribiu a Bello a chefia do "Escritório do Crime", desmontando a versão apresentada por seu marido ao ex-líder da escola de samba Vila Isabel no diálogo gravado a que o Brasil de Fato teve acesso.
De qualquer forma, a transformação da prisão de Lotufo de preventiva para domiciliar foi ordenada pelo ministro do STJ Reynaldo Soares da Fonseca, atendendo a recurso interposto pelo advogado Delio Fortes Lins e Silva Júnior juntamente com outros causídicos (incluindo seu pai), que assinam a petição em favor da viúva. Silva Junior é presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB/DF) e advogado criminalista.
Na tarde da última segunda-feira (23), o Brasil de Fato questionou por escrito a Silva Júnior se ele recebeu R$ 6 milhões para trabalhar em prol de Julia Lotufo, tendo recebido os valores por meio do empresário Eduardo Giraldes.
Questionou também se ele estaria cobrando outros R$ 6 milhões para seguir na causa a fim de obter decisão liberando o passaporte da viúva de Adriano. Finalmente, perguntou se o advogado confirma que sua cliente tem um plano de deixar o país assim que a Justiça desbloquear seu documento apreendido, conforme afirma o esposo Giraldes.
Até a publicação desta reportagem, não havia resposta. Caso a defesa do empresário venha a se manifestar, seu posicionamento será incluído nesta página.
As acusações contra Julia e suas estratégias para deixar o país
Julia Lotufo é alvo de investigação em processo que tramita na 1ª Vara Criminal Especializada da Capital (Rio de Janeiro). Ela é acusada de ter praticado os crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro, que teriam sido cometidos em parceria com seu ex-marido. A suspeita teve sua prisão preventiva decretada pela Justiça no dia 15 de março deste ano, mas manteve-se foragida até obter ganho de causa em recurso interposto junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) pelo presidente da OAB-DF e seus demais representantes legais.
No dia 26 de abril, a corte superior acolheu pedido dos advogados da investigada e transformou sua prisão preventiva em domiciliar, com uso de tornozeleira eletrônica e mediante a entrega de seu passaporte. Lotufo, então, apresentou-se à polícia, entregou o passaporte e colocou a tornozeleira. Entre as medidas cautelares impostas pela Justiça, está a de "comparecer ao Juízo, sempre que houver solicitação". Assim, para que execute - dentro da legalidade - o plano narrado por seu marido de deixar o país, será preciso uma nova decisão judicial, alterando sua condição jurídica atual.
Para obter o passaporte de volta, está em processo de confecção uma delação premiada da viúva junto ao Ministério Público. A ideia seria obter, em troca da delação, tanto o seu passaporte de volta quanto o do seu marido - que, por sua vez - também é réu da Justiça e se encontra com o passaporte apreendido, em âmbito de outra processo penal em que é réu e já condenado em duas instâncias, mas não definitivamente.
O diálogo travado pelo empresário com Bernardo Bello teria acontecido graças ao intermédio do advogado de Giraldes, que estaria agindo para acalmar uma situação de conflito entre o empresário e o ex-presidente de escola de samba. De acordo com os participantes do diálogo vazado, um boato estava correndo entre pessoas do círculo dos dois interlocutores, de que Latufo estaria planejando acusar Bello de ser o chefe do "Escritório do Crime" do Rio, o que - segundo os mesmos boatos - estaria levando Bello a planejar o homicídio de Giraldes.
O encontro entre os dois - intermediado pelo advogado do empresário - ocorreu dentro de um automóvel em uma rua da zona Oeste do Rio, e a conversa gravada durou pouco mais de uma hora. Com a ajuda do advogado, ambos saíram satisfeitos da reunião, em bons termos e sem ameaças mútuas, conforme se evidencia pela gravação ouvida pela reportagem.
Apesar disso, de acordo com uma versão vazada na imprensa e ainda não homologada pelas autoridades judiciais da delação de Lotufo ao Ministério Público, a investigada, de fato, acusou Bello em seu depoimento, atribuindo a ele a chefia do "Escritório do Crime no Rio de Janeiro". Quando a conversa ocorreu, o ex-líder de agremiação do samba ainda não tinha posse dessa informação, tendo afirmado ao empresário que nada tinha contra ele ou sua esposa, de acordo com o que constatou a reportagem pelo áudio gravado.
Edição: Leandro Melito