Há muita expectativa na Venezuela em torno da mesa de diálogo nacional entre governo e oposição, oficialmente instalada há uma semana (dia 13) no México. A primeira rodada de negociações irá acontecer entre os dias 3 e 6 de setembro, sendo mediada pela Noruega e pelo governo mexicano, com a Rússia e a Holanda como observadores. Outros países podem credenciar-se no processo no futuro.
A agenda de debate inclui sete pontos, entre eles o reconhecimento das instituições do país, o fim da violência e a garantia de direitos políticos a todos. Mas a maior aspiração política do governo é o fim das sanções econômicas. Somente a estatal Petróleos da Venezuela (Pdvsa), por exemplo, teve um prejuízo de US$ 57,1 bilhões nos últimos seis anos de bloqueio econômico. Já a oposição continua exigindo eleições gerais e um cronograma eleitoral.
“O fato de que o memorando de entendimento tenha sido assinado sem o reconhecimento da figura do governo interino me parece que diz muito. Mas não surpreende. Há um progressivo reconhecimento da dificuldade de seguir sustentando essa estratégia, tanto no plano internacional, como doméstico”, aponta o cientista político, John Magdaleno.
Outras mesas de diálogo nacional já haviam acontecido em 2019 e 2020 na Venezuela, o que levou a mudanças reais, como a reforma do poder eleitoral. A diferença é que agora sentam para dialogar partes que compuseram o governo paralelo do autoproclamado Juan Guaidó.
:: Guaidó é acusado de pedir desbloqueio de US$ 53 milhões aos EUA para governo paralelo ::
“É uma estrutura que foi criada por todo o establishment estadunidense e desmontar isso requer uma maquinaria política, militar e de pressão, algo que não é fácil, mas é a primeira vez que se dá um passo adiante”, analisa o pesquisador do Instituto Samuel Robinson, Gustavo Borges.
Logo após a instalação, os representantes de política exterior dos Estados Unidos, Canadá e União Europeia publicaram um comunicado conjunto expressando “disposição de revisar as políticas de sanções se o regime fizer progressos significativos nas negociações anunciadas”.
“O que motiva os Estados Unidos? Podemos analisar que também não se refere somente ao aspecto econômico, já que eles conseguiram sobreviver sem o petróleo venezuelano. Mas pode haver outras razões que motivam isso. EUA vivem uma crise de credibilidade mundial”, defende Borges.
A oposição criou uma plataforma unitária para designar seus representantes: Carlos Vecchio, nomeado como embaixador de Juan Guaidó nos Estados Unidos; os ex-deputados Tomas Guanipa, Luis Aquiles Moreno e Emílio Rondón Hernández; o ex-prefeito do município de Baruta, Gerardo Blyde; Mariela Magallanes, embaixadora de Guaidó na Itália; e Roberto Enríquez, presidente do partido Copei.
Leia também: O que concluir sobre a suspensão de parte das sanções dos EUA contra a Venezuela
“Vários setores da oposição concordam que é necessário reativar a mobilização social e política dentro do país, que foi a tarefa abandonada nos últimos quatros anos, quando setores se concentraram na criação de uma ameaça externa sobre o regime político. A criação dessa ameaça externa descuidou da configuração e do fortalecimento de uma fonte de pressão interna”, comenta professor da Universidade Central da Venezuela, John Magdaleno.
Já o governo bolivariano será representado pelo presidente da Assembleia Nacional, Jorge Rodríguez, pelo governador do estado Miranda, Héctor Rodríguez, e pelo filho do presidente, o deputado Nicolás Maduro Guerra.
Eleições regionais
Paralelamente às negociações avança o calendário eleitoral das eleições de 21 de novembro, quando serão escolhidos governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores. Este será o último processo eleitoral antes das presidenciais de 2024.
:: O que está acontecendo na Venezuela? Veja cobertura completa ::
Para incentivar a participação de todos os setores, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) voltou a habilitar a legenda da Mesa de Unidade Democrática (MUD), aliança eleitoral opositora, que ganhou a maioria do Poder Legislativo em 2015.
Henrique Capriles, líder do partido Primeiro Justiça, divulgou que irá concorrer. Guaidó propõe a criação de uma Frente Ampla, apesar de ainda não assegurar sua participação.
“Faltam apenas dez dias para as postulações e ainda não há acordo. A oposição não está no seu melhor momento em termos estratégicos. A plataforma unitária é um esforço por recompor uma coalizão que experimentou uma derrota no âmbito estratégico muito grande e deve seguir adiante”, defende Magdaleno.
Em 2022, Maduro chega à metade do seu segundo mandato presidencial e, de acordo com a Constituição venezuelana, poderia ser convocado um referendo revogatório. Para encurtar a gestão chavista, os opositores teriam que reunir assinaturas de 20% do eleitorado de cada estado e depois obter mais de 6,5 milhões de votos.
Leia mais: Venezuelanos se dividem entre propostas antagônicas para recuperação da economia
“Há alguns setores que estão se mobilizando pela iniciativa de realizar um referendo revogatório presidencial e muito provavelmente se busque esse caminho. Não há muitas opções eleitorais além da convocatória de um referendo revogatório. O adiantamento de eleições presidenciais e parlamentares é pouco provável”, aponta Magdaleno.
Segundo as últimas pesquisas de opinião da empresa Hinterlaces, 73% dos venezuelanos acha incorreta a decisão de não participar de eleições, já 44% estaria de acordo com um referendo revogatório.
🔢🧮 #CifrasHinterlaces | Según el más reciente #MonitorPaís Hinterlaces Jun2021, el 56% estaría EN DESACUERDO con la realización de un REFERENDO REVOCATORIO PRESIDENCIAL. 𝘐𝘯𝘵𝘦𝘭𝘪𝘨𝘦𝘯𝘤𝘪𝘢 𝘱𝘢𝘳𝘢 𝘥𝘦𝘤𝘪𝘥𝘪𝘳 💚, comenta y comparte #9Ago pic.twitter.com/ymDyj1vFRg
— 𝙃𝙞𝙣𝙩𝙚𝙧𝙡𝙖𝙘𝙚𝙨 (@HinterlacesNet) August 9, 2021
Os principais líderes do chamado G4 – grupo que reúne os maiores partidos opositores (Ação Democrática, Primeiro Justiça, Vontade Popular e Um Novo Tempo) – não chegam a 40% de apoio popular. Somente Guaidó soma 73% de rechaço.
Para Magdaleno, as cifras refletem a desilusão do eleitorado com a possibilidade de mudanças políticas, por isso afirma que as eleições de novembro serão um momento para medir o descontentamento popular e o apoio que a oposição pode ter nas urnas.
“Para mim, o termômetro que representa essa eleição não é para saber quantos cargos obterá o oficialismo, já que sei que ganharão a maioria. O que está em jogo é ver se a oposição utiliza essa eleições para organizar, articular e coordenar as bases que lhe dão respaldo”, defende o cientista político venezuelano.
Edição: Arturo Hartmann