Entrevista

Lula: Bolsonaro ignora fome no Brasil e não sabe o que significa "segurança alimentar"

Ex-presidente afirmou que é possível dar continuidade à política de reforma agrária, com paz e tranquilidade

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Para Lula, a distribuição de terras improdutivas foi benéfica para os países que a adotaram - Reprodução / TVT

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva atribuiu a alta dos preços dos alimentos no Brasil ao desmantelamento dos estoques reguladores da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Em entrevista ao jornalista Glauco Faria no Jornal Brasil Atual desta terça-feira (3), ele destacou que não faltam alimentos no país, mas as pessoas não conseguem comprar por conta da elevação de preços.

 Segundo Lula, o atual governo nem sequer sabe o que significa “segurança alimentar”.

“Quando fui presidente, a gente fez com que a Conab regulasse os estoques. A Conab comprava quando os preços caiam, e vendia quando subia. E funcionou maravilhosamente bem. Mas agora não tem mais esse mercado regulador. Porque o atual governo despreza o que é segurança alimentar. Isso não está sendo processado pela massa encefálica da cabeça do presidente, que deve ter um distúrbio, só pode ter.”

Lula afirmou que, para Bolsonaro, reforma agrária “é um cidadão com fuzil para matar o outro”. Apesar da retórica violenta contra os movimentos do campo, o líder petista afirmou que é possível dar continuidade à política de reforma agrária, com paz e tranquilidade.

Segundo ele, a distribuição de terras improdutivas foi benéfica para os países que a adotaram. Além disso, defende que é preciso garantir apoio técnico e mercado aos pequenos produtores da agricultura familiar. Nesse sentido, o ex-presidente disse, ainda, que é possível estabelecer uma convivência pacífica com o agronegócio.

“É plenamente possível a convivência do agronegócio com a agricultura familiar. Quem gosta de estimular o ódio é que tem que responder. A agricultura familiar é responsável por quase 70% dos alimentos que chegam à mesa do trabalhador. E, por outro lado, o agronegócio tem uma importância de produzir em grandes quantidades para a exportação, para a produção de ração animal. É compatível as duas culturas sobreviverem.”

Assista à entrevista:

"Trabalhador precisa de paz"

O ex-presidente afirmou que é preciso que o trabalhador brasileiro seja tratado de forma civilizada na hora da contratação. Ele defendeu a retomada de direitos trabalhistas e previdenciários, como férias e 13º salário, que garantam estabilidade e tranquilidade aos trabalhadores.

“O trabalhador precisa de paz. Quanto mais paz tiver, quanto mais tranquilidade, mais produtividade”, disse Lula na segunda parte da entrevista.

Ele disse que os trabalhadores foram obrigados a abrirem mão desses direitos, sob a falsa promessa de que haveria a criação de empregos. Lula contestou a “qualidade” das vagas de trabalho que o ministro da Economia, Paulo Guedes, utiliza para alardear os supostos feitos do governo.

“O desemprego está campeando nas indústrias brasileiras. Há quase 15 milhões de desempregados. Há 6 milhões que desistiram de procurar emprego, 34 milhões estão na informalidade e mais 33 milhões estão subutilizados, fazendo bico ou biscate”, disse o ex-presidente.

Para ele, é preciso reunir as centrais sindicais, as empresas e as universidades, para discutir “o mundo do trabalho que a gente quer”. Em especial, Lula demonstrou preocupação com os milhões de jovens que, mesmo com ensino superior, não conseguem colocação no mercado.

“Estou muito preocupado, porque é uma parcela enorme da sociedade que não tem perspectivas de trabalho. Pessoas com 30 anos morando com o pai e com a mãe. E não porque querem, mas porque não tem perspectiva de emprego. Toda essa revolução digital que aconteceu no planeta precisa ser revertida para criar oportunidades para essa juventude”, declarou o ex-presidente.

Lula e o papel do Estado

Para resolver o problema da criminalidade, da violência policial e do encarceramento em massa no país, Lula afirmou que é preciso rediscutir o papel do Estado no Brasil. Não é possível, segundo ele, que o Estado se faça presente nas periferias das grandes cidades apenas com a polícia.

“As pessoas estão largadas, abandonadas, sem emprego, sem proteção social. E sem a existência do Estado. O Estado só aparece quando aparece a polícia. Esse tipo de política não resolve e não ajuda. Se a gente ficar discutindo só a intervenção da polícia, sem discutir a intervenção do Estado antes da polícia, teremos mais dificuldade de resolver esse problema”, afirmou o presidente. Nesse sentido, a saída é “gerar bem-estar social”, com investimentos em infraestrutura urbana – como asfalto, água e saneamento –, e também nas áreas de educação, saúde e lazer.