Oriente Médio

Um ano após explosão em porto, Líbano ainda enfrenta crise econômica e impasse político

Aumento da inflação faz disparar pobreza no país com o maior número de refugiados per capita do mundo

Brasil de Fato | São Paulo |

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Carros passam por silos destruídos do porto de Beirute, Líbano, próximo a grafitti que diz: "É a violência organizada no topo que cira a violência indivual na base". - Dylan Collins/ AFP

A ponto de completar um ano da explosão do porto da capital Beirute, em agosto de 2020, o Líbano ainda luta para sair dos escombros que assolam o país. A economia do país acumula três contrações seguidas do PIB, sendo que 2020 foi o ano com o pior resultado: uma queda de 20,3%. A inflação está nos três dígitos e mais da metade da população está abaixo da linha da pobreza. Os dados são do Banco Mundial.

A situação é agravada pela explosão do porto, episódio que deixou 221 mortos e centenas de milhares de desabrigados. O primeiro-ministro na época, Hassan Diab, renunciou e seu antecessor no cargo, Saad Hariri, assumiu a posição. Todavia, Hariri não conseguiu formar um governo mesmo após nove meses de negociação e deixou o cargo em junho de 2021, expondo um impasse político. No momento, o ex-premiê e bilionário Najib Mikati tenta formar um governo.

Apesar da exposição das manchetes mundiais sobre a tragédia de agosto do ano passado e da visita de governantes de potências europeias, até o momento o país não conseguiu um pacote de ajuda financeira do Fundo Monetário Internacional (FMI) ou de outra nação, apenas ajudas pontuais.

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A França, que colonizou o Líbano até a primeira metade do século XX, anunciou na semana passada o envio de medicamentos, computadores, leite em pó e escâneres para controlar o contrabando do país. O material será enviado por um navio que deixou o porto de Marselha. O Qatar anunciou neste mês o envio mensal de 70 toneladas de comida durante o período de um ano. A primeira doação de alimentos foi para o Exército do Líbano. As informações sobre as doações foram divulgadas pela agência de notícias estatal do país. 

No final de junho, a população tomou as ruas em protesto contra o possível fim do subsídio governamental aos combustíveis e o aumento do custo de vida. Sem subsídio, os preços podem aumentar ainda mais. Manifestantes fecharam ruas na capital Beirute e em outras cidades do país. Apagões causados por falta de energia elétrica e o aumento do preço de remédios também contribuíram para a insatisfação popular.

O governo do Líbano acredita que o fim dos subsídios pode fazer aumentar as importações e, assim, gerar mais divisas para o poder público. As autoridades prometeram implantar um programa de transferência de renda para 500 mil famílias libanesas vulneráveis no valor de US$ 137 por mês (cerca de R$ 700).

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Em entrevista ao Brasil de Fato, o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Murilo Sebe Bon Meihy explica que as crises políticas no Líbano são recorrentes por conta de seu desenho institucional. Para acomodar diferentes comunidades religiosas do país, a partir de um acerto feito após a guerra civil 1975-1990, o primeiro-ministro é sempre um muçulmano sunita, o presidente é um cristão maronita e o presidente do Parlamento é xiita. Além disso, o Parlamento tem vagas reservadas para que cristãos e muçulmanos tenham o mesmo número de cadeiras.

“Na verdade, esse arranjo político impede que o Estado dê conta de cumprir o fornecimento de serviços básicos à população civil. E com a chegada e a intensidade de refugiados no país, em especial palestinos e sírios, o Estado fica ainda mais sem condições de fornecer esses serviços”, avalia Meihy.


Libanês coloca pneus em chamas em protesto de junho deste ano contra as condições econômicas e o impasse político na capital Beirute / Marwan TAHTAH / AFP

De acordo com o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), o Líbano, com uma população de  6,8 milhões de pessoas, tem o maior número de refugiados per capita do mundo, entre os quais aproximadamente 1,5 milhão de pessoas do mais recente conflito na Síria. Além disso, o país recebeu diferentes fluxos de expulsos de suas terras ao longo do século XX, como os palestinos desde 1948 e curdos iraquianos desde 2011. 

Meihy, pesquisador de Oriente Médio, destaca que o país funciona como uma espécie de “caixa de ressonância” dos conflitos regionais da região e é alvo de disputa de potências como Arábia Saudita e Irã.

“O Líbano é um país completamente dependente de capital estrangeiro. Muitas vezes, esse capital estrangeiro entra no país dependendo do arranjo político interno. Ou seja, países como a Arábia Saudita, por exemplo, que em muitos momentos injeta dinheiro no Banco Nacional libanês, só faz isso quando grupos aliados assumem o controle da política libanesa. Como é o caso do Saad Hariri e do Movimento Futuro”, analisa o professor da UFRJ.

Meihy ainda destaca que a França é um ator relevante no Líbano e tenta exercer influência no país. O presidente francês, Emmanuel Macron, foi o primeiro líder internacional a visitar o país após a explosão no porto de Beirute.

“Isso não acontece apenas pela vontade do governo francês, não existe filantropia em política internacional, a França faz esse movimento político importante na verdade por razões diversas, entre elas por razões econômicas também porque via, como foi no período pós-guerra civil, a oportunidade de abocanhar contratos de reconstrução”, avalia o professor da UFRJ.

* Com informações do People's Dispatch.

Edição: Arturo Hartmann