Na semana em que o Brasil atingiu a marca oficial de 550 mil mortos pela covid-19, nosso presidente teve um encontro no mínimo excêntrico, para não dizer totalmente macabro, com representantes do partido da extrema direita alemã, Alternativa pela Alemanha (Afd).
:: Brasil tem mais 1.333 mortos pela covid e ultrapassa a marca de 551 mil vidas perdidas ::
Uma das pessoas recebidas por Jair Messias, Beatrix von Storch, é neta de Johann Ludwig Schwerin von Krosigk, ministro de Finanças de ninguém menos que Adolf Hitler. Krosigk foi condenado pelo Tribunal de Nuremberg por crimes de guerra.
Criado em 2013, o Afd resgata um passado que muitos alemães gostariam de esquecer. Muitos, mas, pelo visto, não todos. Fico a me perguntar o que houve com o mundo a partir da segunda década do século 21. Foi a crise de 2008 ou foram as manifestações insufladas pelas redes sociais que tiraram os extremistas dos guetos em que chafurdavam? Ou ambos?
:: Encontro de Bolsonaro com extremista alemã expõe "articulação global da extrema direita" ::
O fato é que a história de genocídio e da tentativa de extermínio dos judeus através do holocausto, muito bem retratada em livros e filmes como A escolha de Sofia (Alan J. Pakula, 1982), A Lista de Schindler (Steven Spielberg, 1993), A vida é bela (Roberto Benigni, 1997), O pianista (Roman Polanski, 2002), entre tantos outros, parece não comover grupos que surgem cada vez mais desavergonhados.
Na foto que circulou na imprensa e nas redes sociais, o Bolsonaro sorridente ao lado da neta do ministro de Hitler parecia não se importar nem com o parentesco, nem com o fato de o Afd ser monitorado na Alemanha que, assim como o Brasil, criminaliza a apologia ao nazismo.
Esse foi o presidente que o Brasil escolheu em 2018. Um militar que já foi saudado por um ex-líder da Ku Klux Klan, que apoia abertamente a ditadura de 1964, fã do torturador Carlos Brilhante Ustra e que agora aparece abraçado à herdeiros do nazismo.
É um perfil que espanta qualquer um que tenha o mínimo de sensibilidade social, espírito crítico e, sobretudo, conhecimento sobre a história, matéria que anda fazendo muito falta na consciência coletiva dos brasileiros.
Manipulação
Quando tento entender o que nos arrastou para esse o fosso, outro filme me vem à mente: o alemão A Onda, de Dennis Gansel, lançado em 2008. No filme o professor Rainer Wenger (Jürgen Vogel) dá um curso sobre autocracia para o colegial. Os alunos, adolescentes da terceira geração após a Segunda Guerra Mundial, duvidam que uma ditadura poderia ressurgir na Alemanha. Rainer então faz com eles uma experiência para demonstrar como a manipulação das massas é capaz de pôr em prática qualquer atrocidade política. Ele padroniza os estudantes, cria um uniforme e até um emblema para eles. Motivados pelo sentimento de pertencer a um grupo, os adolescentes pouco a pouco se transformam e constroem um ambiente de coerção, autoritarismo e de poder a base da violência.
:: Líder de ato neonazista pró-Bolsonaro em 2011 organiza carreatas em apoio ao presidente em SP ::
Este é o espírito desta época. Ou seja, se achávamos que os piores fantasmas do passado estavam mortos e enterrados, bastou uma manipulação na dose certa para que eles voltassem a nos atormentar.
No Brasil, o desprezo pela história é parte desta manipulação. E ele pavimentou não apenas a eleição, mas o engajamento popular em torno de um político com atitudes tão repulsivas como Jair Bolsonaro. O resultado desta empreitada está ao nosso redor: desemprego, inflação alta, carestia, miserabilidade, descontrole sobre a nova peste e um crescente índice de mortes precoces.
*Carolina Maria Ruy é jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo