A rebeldia, acendeu a chama da liberdade
No Quilombo, o sonho de felicidade
Ilê Ayê, Ara Ayê Ilu Ayê
Um grito forte ecoou
A esperança, no quariterê
O negro abraçou
Samba enredo de 1994 da Unidos da Viradouro
Pouco mais de 240 anos depois da morte de Tereza de Benguela, o governo brasileiro – que, na época, tinha como presidenta Dilma Rousseff – institui a Lei 12.987/2014, onde se é criado o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, uma data comemorativa para que não se perca a memória da Rainha Tereza, uma liderança quilombola, bem como para homenagear as tantas mulheres negras brasileiras que sobrevivem à dura realidade de ser quem são. A data também faz consonância com o Dia Internacional da Mulher Negra, Latinoamericana e Caribenha.
Tereza de Benguela viveu durante o século XVIII na região do Vale do Guaporé, no Mato Grosso. Embora tanto sua origem quanto sua morte sejam incertas, a revolucionária traz em seu nome Benguela, que é uma região angolana. Segundo os registros históricos, a Rainha foi líder do Quilombo do Quariterê, que também é chamado de Quilombo do Piolho, devido às raízes indígenas que formam a palavra: Guariteré é literalmente “piolho” em tupi-guarani.
O nome também denota a presença de indígenas no território, e a história impõe o que os ancestrais dessa terra praticam há tempos: os processos de resistência devem ser construídos em unidade para que se haja avanço concreto.
::Artigo | A luta de Tereza de Benguela e as mulheres da resistência::
Após a morte de seu companheiro, José Piolho, Tereza de Benguela assume o comando e lidera a comunidade quilombola com maestria por duas décadas, sendo um exemplo de matriarcado e governabilidade democrática.
Alguns contam que Tereza de Benguela suicidou-se após ser capturada por bandeirantes no que se é chamado de uma “grande expedição punitiva”; outros, que foi morta e teve sua cabeça exposta no próprio quilombo, que tem seus primeiros registros em 1748 e se deu por extinto na mesma ação que levou a vida da Rainha do Quariterê.
Independente da forma que sua morte aconteceu, sabemos que uma grande revolucionária e liderança morreu lutando por sua liberdade e a liberdade dos seus sob o governo de um Estado que até hoje continua ceifando a vida de mulheres negras para manutenção única de uma realidade que não nos cabe.
A memória de Tereza, assim como de outras heroínas negras, se perdeu na vertente da historiografia brasileira que ignora a capacidade de mulheres negras na construção de processos de libertação e de organização popular latino-americanas. Embora quase esquecida por mais de dois séculos, Tereza vem sendo resgatada e referenciada cada vez mais: além do samba que abre os caminhos desse texto, também é registrada na obra 15 Heroínas Negras Brasileiras, uma coletânea de cordéis escritos por Jarid Arraes e publicado em 2020 pela Editora Seguinte.
Também é relembrada em Enciclopédia Negra, de Flávio dos Santos Gomes, Jaime Lauriano e Lilia Moritz Schwarcz, publicado este ano (2021) pela Companhia das Letras.
Além dos livros, vemos que o samba, que foi sempre instrumento de resistência negra, homenageia a “rainha negra do Pantanal” no enredo da escola de samba Unidos do Viradouro que em seus versos escritos em 1994, exatamente vinte anos antes da Lei 12.987/2014 ser estabelecida.
Relembre aqui: Tereza de Benguela, uma rainha que desafiou a escravidão
O samba descreve a trajetória da rainha na luta coletiva pela liberdade e seus direitos. Tereza de Benguela vive na canção, na literatura e no sangue negro e latino-americano que corre nas veias do povo brasileiro.
Há um provérbio angolano que afirma que não importa se a noite é longa, pois o dia sempre vem. É nesse sentido que Tereza de Benguela é um baluarte para os negros e negras que esperançam a revolução desse mundo para um novo mundo, que seja possível viver verdadeiramente a liberdade. Que não parem de se levantar Terezas pelo Brasil, e que essas sejam a esperança de um novo Quariterê.
*Sofia Isbelo e Andresa Costa são militantes do Levante Popular da Juventude. Texto produzido originalmente para o projeto de extensão “Luz Negra”, da Universidade Estadual da Paraíba.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Fonte: BdF Paraíba
Edição: Heloisa de Sousa