COVID-19

Vacinação em Alcântara é conquista do movimento negro e quilombola

Município de maioria quilombola recebeu vacinas contestadas no Supremo Tribunal Federal

Brasil de Fato | Imperatriz (MA) |
Com rodas de tambor de crioula, quilombolas comemoram vacinação em Alcântara. - Gilson Teixeira

Primeiro município a vacinar 100% da população maior de 18 anos com a primeira dose de vacina contra a Covid-19, sem considerar as cidades em estudos, Alcântara está localizada há pouco mais de 18km de São Luís e abriga o maior número de quilombos no Brasil, distribuídos em cerca de 210 comunidades, que compõem a maioria da população e grupo prioritário do Programa Nacional de Imunização (PNI).

A inclusão no PNI foi uma reivindicação da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), que em setembro de 2020 acionou o Supremo Tribunal Federal (STF), com base em estudos que apontam índices mais elevados de mortalidade entre os povos tradicionais, que possuem modos de vida coletivos, além de viverem sob conflitos e falta de assistência.  


O Nordeste é a região que mais vacinou membros quilombolas até o momento. / Walisson Braga/Conaq

Em Alcântara, por exemplo, os quilombos enfrentam conflitos e ameaças de expulsão de suas terras, com clima agravado em plena pandemia, quando uma resolução do governo federal tentou remover famílias de suas casas, em março de 2020, para dar espaço ao Centro de Lançamento de Alcântara (CLA).

Da Associação do Território Quilombola de Alcântara (ATEQUILA), Valdirene Ferreira reforça que a garantia de vacinas destinadas a Alcântara, bem como aos demais territórios quilombolas brasileiros, é uma conquista do movimento negro.

“Se não fosse o movimento, não teria essa vacina para os quilombolas. Tivemos que nos unir, todo o movimento negro, junto com a CONAQ, que ingressou com a ação, para que o governo brasileiro comprasse a vacina para os quilombolas (...) isso significa dizer que unidos, nós conseguimos”, declara.


Em Alcântara, mais de 3.000 famílias quilombolas receberam equipes de vacinação. / SEMUS/Alcântara

No entanto, Valdirene lamenta as vidas perdidas e a dificuldade de alcançar direitos ao movimento negro no país, sendo necessário recorrer ao STF para que a situação de vulnerabilidade tivesse reconhecimento.

“Talvez não seja uma alegria total, porque nós tivemos que entrar com uma ação junto ao Supremo. Não era para ser dessa forma, tudo para nós tem que ser com muita batalha, com muita luta, está na hora de acabar com isso e nós sermos vistos pelo governo brasileiro como pessoas, como seres humanos”, enfatiza.

Força tarefa

Dos cerca de 22 mil habitantes do município, estima-se que aproximadamente 70% vivem na área rural, o que trouxe mais uma questão a ser resolvida, para além da garantia de vacinas, que é a distribuição delas em todo o território quilombola.

Para que isso fosse possível, foi criada uma força tarefa com o auxílio de equipes da Força Estadual de Saúde do Maranhão (Fesma), formada por aplicadores, digitadores e enfermeiros que, ao lado da equipe municipal, recorreu ao uso de barcos e veículos especiais que pudessem levar os profissionais de saúde até os moradores, que vivem em ilhas e povoados, às vezes ocupados por apenas uma família, ou até mesmo, uma só pessoa.


Equipes chegam em barcos nos quilombos alcantarenses e percorrem o caminho até as casas por mangues. / SEMUS/Alcântara

Coordenadora do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (MABE), Dorinete Serejo mora e trabalha no posto de saúde da comunidade Canelatiua, de onde acompanha o trabalho da força tarefa e auxilia no processo de cadastro para a vacinação.

Dorinete explica que se não foram vacinados todos os alcantarenses, é porque uma ou outra pessoa não aceitou, mas a vacina chegou a todos os territórios.

“Foi um trabalho bem feito nesse sentido. Os 100% da população adulta não foi atingido porque houve uma ou outra recusa, mas a vacina chegou para todo mundo a partir de 18 anos de idade. Muitas pessoas que têm medo de tomar a injeção, ainda assim estavam indo satisfeitas, porque sabem que é o que temos para combater o vírus, é a vacina”, diz Serejo.

O feito de 100% de vacinação em Alcântara foi comemorado pelo governador Flávio Dino (PSB) na última quarta-feira (16), com uma foto que compõe agora sua foto de perfil nas redes sociais, sob a frase: “Esperança vencendo as trevas e a tristeza”.

A Secretária de Saúde de Alcântara, Sormanne Branco, reforça a parceria do município com os órgãos estaduais e a importância das Estratégias de Saúde da Família (ESF), que compõem o Sistema Único de Saúde (SUS) e têm como eixos principais a universalização, descentralização, integralidade e participação da comunidade no acesso à saúde.

“O município é predominante quilombola, com vasta área de zona rural, fomos de povoado em povoado, ilhas, áreas remotas, a fim de garantir o acesso da comunidade à vacina. Destaco aqui a importância das estratégias de saúde da família nesse processo e agradeço a cada um pelo empenho e doação”, conclui.

As equipes de saúde de Alcântara já trabalham na aplicação da segunda dose de vacinas nas comunidades, com a expectativa de ser o primeiro município brasileiro a garantir a imunização no país. 

Edição: Isa Chedid