ELEIÇÕES EM RISCO

Analistas veem ações "tímidas" do Congresso após crise institucional provocada por Braga Netto

Parlamentares articulam reações e Braga Netto poderá ser ouvido na Câmara em agosto

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |

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Declarações de Braga Netto se tornaram catalisador de crise institucional que movimenta bastidores em Brasília e preocupa políticos tradicionais - Agência Brasil

A crise institucional gerada pelos arroubos autoritários de personagens do governo pode viver novos capítulos nas próximas semanas. Parlamentares de oposição pressionam para que o ministro da Defesa, Braga Netto, seja ouvido no Congresso Nacional para prestar esclarecimentos sobre as supostas ameaças que teria feito às eleições de 2022.

A bancada do Psol, por exemplo, apresentou na última sexta (23) requerimento de convocação do general para que ele seja ouvido pelo plenário da Câmara dos Deputados, que está em recesso e retorna aos trabalhos no início de agosto.

Outras reações semelhantes fortalecem o coro em busca de iniciativas institucionais que façam contrapeso aos movimentos de maior intervenção de militares no mundo político. O deputado Rogério Correia (PT-MG), por exemplo, também formalizou pedido para que o ministro seja convocado para falar ao Legislativo, especificamente à Comissão de Trabalho e Administração Pública da Câmara.

:: Dos 185 deputados que defendem militares fora do governo, apenas um é contra o impeachment ::

Em outra frente, o deputado Túlio Gadelha (PDT-PE) solicitou a Rodrigo Pacheco (DEM-MG) a convocação da Comissão Representativa do Congresso para investigar as supostas declarações de Braga Netto. O colegiado, formado por senadores e deputados, opera durante os recessos parlamentares e tem entre as suas atribuições a fiscalização e o controle dos atos do Poder Executivo. 

Ainda não se sabe o quanto cada uma dessas iniciativas irá prosperar, mas o fato é que as recentes declarações de Braga Netto se tornaram um catalisador da crise institucional que hoje movimenta os bastidores de Brasília e provoca reações não só da oposição, mas de políticos tradicionais da direita liberal.


Forças Armadas detêm poder das armas e dos quartéis, motivo pelo qual mundo político teme avanço dos militares sobre cargos civis / Fernando Frazão/Agência Brasil

O ministro, inclusive, já tinha data marcada para ir ao Congresso – por meio de convite, e não de convocação – em 17 de agosto, quando deve se explicar a respeito de uma nota do Ministério da Defesa que atacou os trabalhos da CPI da Covid.

Agora, pode ter que prestar esclarecimentos sobre a suposta ameaça ao pleito do ano que vem. Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo publicada na quinta (22), Braga teria enviado, em 8 de julho, recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), alertando-o de que a eventual rejeição ao voto impresso e auditável levaria o país a um cenário sem eleição em 2022.

A pauta é discutida atualmente na Câmara por meio de uma proposta de emenda constitucional e se tornou mais um ponto da queda de braço entre bolsonaristas e opositores. Em entrevista dada à imprensa na mesma data, o ministro negou a denúncia do veículo. Na mesma ocasião, afirmou que a discussão sobre o voto impresso seria “legítima”.

A manifestação deixou um rastro de preocupação que alcança desde o campo da oposição até atores do “centrão”, que agora observam em maior estado de alerta as intervenções de militares bolsonaristas no campo político.

Com as Forças Armadas detendo o poder das armas e o controle dos quartéis, o entendimento geral é de que seria necessário se criar limites que deixem os fardados de fora das decisões políticas, algo que o governo Bolsonaro tem levado ao limite. A gestão é marcada, desde o início, pela presença pulverizada de militares, inclusive em alguns postos do alto escalão.

O estudo “A militarização da administração pública no Brasil: projeto de nação ou projeto de poder?”, por exemplo, do cientista político William Nozaki, contabilizou a existência de mais de 6 mil membros das Forças Armadas ocupando cargos civis em 2020. Em 2019, eram 3.515, enquanto o ano de 2018 tinha 2.765 servidores com esse perfil em tais funções. A escalada veio acompanhada de diferentes acenos autoritários alusivos à ditadura militar, apoio a atos antidemocráticos, entre outras ações extremistas. Agora, paira sobre o país a ameaça de não realização do pleito de 2022.

Análise

Para o assessor do Programa de Espaço Cívico da ONG Artigo 19, Manoel Alves, os constantes gestos autoritários de atores do governo Bolsonaro carecem de maior enfrentamento por parte das instituições brasileiras.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse, após a publicação da matéria do jornal O Estado de S.Paulo, que a realização das eleições “não está em discussão” e que isso seria “inegociável”. Já Lira negou a suposta ameaça atribuída a Braga Netto e declarou que o pleito de 2022 ocorrerá normalmente com base no “voto popular, secreto e soberano”.   

Manoel Alves vê como “bastante tímida” a reação do comando das casas legislativas e defende ações mais enérgicas, dado o significado extensivo desse tipo de iniciativa.

“A gente sabe que existe uma base militarizada, radicalizada ou policialesca que vê nas falas do Braga Netto algum tipo de esperança. Então, as respostas [das instituições] não são só pra ele ou para o governo, mas também para a sociedade, tanto para nós, que ficamos assustados com esse tipo de colocação, quanto para aquela fração mais radicalizada, que vê nisso uma oportunidade de ver um Brasil melhor, nos parâmetros deles”.  


Presença de militares em cargos civis saltou de 3.515 para 6.157 entre 2019 e 2020, segundo estudo do cientista político William Nozaki / Fernando Frazão/Agência Brasil

Posicionamento semelhante tem o presidente do grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, o advogado Ariel de Castro Alves, para quem o sistema de Justiça também poderia dar respostas mais incisivas ao episódio envolvendo Braga Netto.

Os deputados Bohn Gass (PT-RS) e Paulo Teixeira (PT-SP), por exemplo, ingressaram com uma notícia-crime na semana passada pedindo que se investigue a conduta de Braga Netto e o cometimento de possíveis crimes previstos na Lei de Segurança Nacional.

Já o tucano Alexandre Frota (SP) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura imediata de uma ação penal contra o ministro por crime de responsabilidade, enquanto a deputada Natália Bonavides (PT-RN) solicitou que a Procuradoria-Geral da República (PGR) seja demandada para abrir um inquérito que apure eventuais crimes de responsabilidade do general.  

“Deveria haver uma pressão, uma ação da própria PGR para afastá-lo imediatamente do cargo por ele estar atentando contra a Constituição e contra a democracia, porque o que se está gerando é uma situação de impunidade. Eles estão sempre contemporizando, fazendo acordos, conchavos, e essas situações ficam o tempo todo se repetindo”, critica Castro Alves.  

Punição

Olhando em retrospectiva, o cenário brasileiro viu brotar diferentes outras manifestações, ao longo do governo Bolsonaro, que sinalizam uma maior aproximação das Forças Armadas com o palco político. Entre elas, destacaram-se, por exemplo, o famigerado tuíte publicado em 2018 pelo general Eduardo Villas Bôas, então comandante do Exército, nas vésperas de julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Lula (PT) no STF.

Ao afirmar que repudiava a “impunidade”, num aceno de pressão à Corte para que condenasse o petista, o general disse na postagem que o Exército estaria “atento às suas missões institucionais”. A mensagem causou efervescência nos bastidores de Brasília por ser apontada como ameaça de um eventual golpe militar.

De lá pra cá, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e aliados se envolveram em outras situações que geraram controvérsia, como é o caso dos apoios públicos às manifestações antidemocráticas, que miravam especialmente o Congresso e STF. Agora, o jogo político se alvoroça em meio às manifestações de Braga Netto, o mais recente encorajador da crise institucional. O conflito ganha maior musculatura a cada nova declaração do general.

“Se a gente não quer admitir que está num regime tutelado por militares, isso tem que merecer punição. Não é razoável que um funcionário público, como é o ministro da Defesa, faça ameaça ao processo eleitoral”, critica o professor Luis Felipe Miguel, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB).  

“Até acredito que neste momento essas ameaças sejam mais bravatas do que propriamente um golpe sendo preparado, mas isso não importa porque a intenção de intimidar o Congresso é a mesma”, avalia.


Marcado pelo avanço dos militares na arena política, governo Bolsonaro tem mais de 6 mil militares em cargos civis, segundo estudo / Marcos Côrrea/PR

Para o pesquisador, idealmente, a existência de um militar que atiça conflitos institucionais pede ações enérgicas imediatas. “Se pesa a suspeita de que ele fez essa ameaça, ele não pode estar ocupando cargo de ministro. E, uma vez confirmada a suspeita, ele evidentemente deveria ser afastado das Forças Armadas e deveria ser preso por estar conspirando contra o regime democrático”, defende Miguel.  

Prejuízo

Para Manoel Alves, à revelia dos desdobramentos que ainda venham a surgir no xadrez político, as aventuras autoritárias que já se deram até aqui nestes anos de gestão Bolsonaro deixaram, na visão do assessor do Programa de Espaço Cívico da Artigo 19, um prejuízo de grande monta para o país.

“Há todo um rastro. Um governo militarizado por si só parte, desde o seu início, de um problema. Hoje já vamos às ruas com mais receio. Em alguns lugares, tensionar e reprimir são coisas que podem acabar com as manifestações. Mais que um campo político concreto, tem um campo político subjetivo onde já se deixaram duras marcas disso. Isso é algo que vamos levar por muito tempo.”

Edição: Vivian Virissimo