EM FORTALEZA

Ameaçado por bolsonaristas, padre procura programa de proteção a defensores de direitos humanos

Durante homilia, sacerdote criticou o presidente Jair Bolsonaro pela forma como o governo federal conduz a pandemia

|
Lino Allegri é um padre missionário italiano com 56 anos de vida presbiteral - Reprodução / escrivaninha.blog

Aos 82 anos de idade e aos 56 anos de vida sacerdotal, o padre italiano Lino Allegri deverá solicitar o ingresso no Programa Estadual de Proteção aos Defensores e Defensoras de Direitos Humanos (PPDDH).

A decisão ocorreu na noite da última quinta-feira, dia 15, durante uma reunião virtual com amigos e membros da Defensoria Pública e do Ministério Público. A escalada de agressões, ataques virtuais e hostilidades ocorridas na Paróquia da Paz contribuiu para que esse fosse o caminho a ser tomado.

A medida visa à proteção da integridade pessoal do sacerdote, bem como assegurar a manutenção da atuação dele na defesa dos direitos humanos. A possibilidade de que mais pessoas envolvidas nesse episódio de intolerância possam vir a pedir a inclusão no programa não está descartada.

:: Papa Francisco: "Compartilhar bens não é comunismo, mas puro cristianismo" ::

Quando chegou a Fortaleza, no início da década de 1990, padre Lino atuou principalmente nos bairros da periferia, onde foi pároco no Genibaú, no Tancredo Neves e na comunidade das Goiabeiras, na Barra do Ceará.

O convite para celebrar na Paróquia da Paz foi feito pelo pároco da época, o monsenhor Virgínio Asênsio Serpa. Por causa de sua condição como religioso aposentado, Lino Allegri passou a contribuir pontualmente nas capelas que atendem comunidades como a dos Trilhos e a do Campo do América. O atual pároco, padre Oliveira, pediu para que o sacerdote mantivesse suas atividades paroquiais.

O padre afirma poder contar com uma rede de apoio, reconhecimento e solidariedade em torno da sua atividade pastoral. Embora estejam vivendo um período de provação, os laços que unem os sacerdotes que compõem a paróquia tornaram-se mais fortes. Um exemplo disso é que a celebração dominical do dia 11, que foi interrompida por um coronel do Exército da reserva, foi denominada pela comunidade como missa de desagravo ao padre Lino.

:: Campanha da Fraternidade 2021 é destaque no Programa Brasil de Fato ::

A missão tem lá seus espinhos. Lino Allegri revela ter sentido um certo estranhamento por parte de alguns fiéis desde que chegou à paróquia, haja vista o contraste entre os públicos com os quais trabalhou, que era formado majoritariamente por pessoas pobres, trabalhadoras e vulneráveis.

Ainda assim, o padre ressalta não ter vergonha de assumir que a Teologia da Libertação o ajudou a entender o papel do cristão na sociedade. O sacerdote diz que sua marca é fazer uma ligação entre a palavra de Deus com a vida concreta em sociedade, mesmo que isso possa ser motivo de não aceitação por parte de determinadas pessoas que possuem uma realidade e uma condição social diferentes.


Os irmãos Ermano e Lino Allegri / Reprodução / blog Escrivaninha

Igreja em saída

Após décadas de sacerdócio, o padre estabeleceu uma estreita ligação com o movimento Igreja em Saída, formado por sacerdotes, religiosos, religiosas, leigos e leigas, que busca atender ao apelo do Papa Francisco. “No primeiro ano do pontificado do papa, em um dos seus discursos, ele utilizou a expressão que a igreja deveria ser em saída, isto é, sair dos templos e se deslocar até as periferias geográficas e existenciais. Para não pensar que ser igreja é apenas se reunir no espaço físico e celebrar sacramentos”, comenta.

Padre Lino faz questão de acrescentar que o surgimento desse movimento em Fortaleza não foi promovido pelo alto escalão da Igreja Católica, como os bispos, mas sim por um grupo de leigos em parceria com três sacerdotes, incluindo os irmãos Allegri (Lino e Ermano). A busca por uma organização mais horizontal é uma característica da atuação do religioso, cujo foco está centrado justamente nas populações mais vulneráveis. Um exemplo disso é o trabalho dele na criação e no desenvolvimento da Pastoral do Povo da Rua.

Sobre o PEPDDH

O Programa Estadual de Proteção aos Defensores e Defensoras de Direitos Humanos consiste no conjunto de medidas protetivas e atendimento jurídico e psicossocial a pessoas ou grupos que promovem, protegem e defendem os Direitos Humanos, e que estão em situação de risco ou que sofreram violação de direitos em razão de sua atuação. O programa integra o Sistema Estadual de Proteção a Pessoas.

As formas de proteção do PPDDH são: visitas no local de atuação do defensor, realização de audiências públicas de solução de conflitos e acompanhamento das investigações e denúncias. É preciso a comprovação de que o interessado atue ou tenha como finalidade a defesa dos direitos humanos e seja identificada a causalidade entre a violação ou ameaça e a atividade de defensor.

Entenda o caso

Lino Allegri é um padre missionário italiano com 56 anos de vida presbiteral. No Brasil desde a década de 1970, o religioso possui diversas contribuições para a ação pastoral e eclesial na Igreja. Atuou nas comunidades de base desde o interior da Bahia, esteve presente nas pastorais sociais, na coordenação do Centro de Defesa e Promoção Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza e na Agência de Notícias Esperança (Anote). Atualmente está engajado na Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de Fortaleza.

Leia também: Artigo | Quando a paróquia vira um inferno 

No último dia 4, Allegri foi hostilizado por um grupo de fiéis minutos após o fim da celebração da missa de domingo. Em sua homilia, o sacerdote criticou o presidente Jair Bolsonaro pela forma como o Governo Federal vem se portando durante a pandemia da covid-19, em que mais de 530 mil brasileiros foram mortos pela doença. Oito pessoas entraram na sacristia sem autorização e o repreenderam pelos comentários de forma agressiva e em tom de ameaça.

:: Bolsonaristas atacam nas redes franciscanos que apoiaram famílias despejadas em MG ::

Allegri afirma ter sido vítima também de xenofobia. “Eles entraram na sacristia já bastante alterados, com tom de voz agressivo, me atacando. Disseram que não estavam de acordo com o que eu tinha falado em relação ao presidente da república, que ele é um cristão e um bom presidente, e que eu deveria rezar por ele”, disse o padre em entrevista ao OPOVO.

No último domingo, dia 11, um homem interrompeu a celebração e teve que ser contido e expulso do local por fiéis. A ação ocorreu justamente no momento em que uma carta de apoio e solidariedade ao padre Lino estava sendo lida.

Bastidor

Fizemos o contato pela manhã, mas por causa de um dia cheio de compromissos, o padre Lino, só pode atender o Blog Escrivaninha às 19 horas da última sexta-feira, dia 16. Mesmo atravessando uma semana turbulenta, o sacerdote foi solícito e manteve um diálogo descontraído na medida do possível. A entrevista aconteceu por meio de uma videochamada no Google Meet. O religioso relembrou com bastante eloquência e disponibilidade sua caminhada na vida sacerdotal, embora parecesse receoso de falar sobre os ataques sofridos.