Um projeto de pesquisa desenvolvido pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), em parceria com a Universidade Estadual de Maringá (UEM), a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e convidados da Argentina e da Suíça, recupera fragmentos da ditadura militar brasileira.
O foco do trabalho são as histórias das populações vulneráveis, das pessoas que sofreram graves violações de direitos e que não tiveram as memórias evidenciadas.
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A professora Marion Brepohl, do Departamento de História da UFPR, explica que a pesquisa trata de pessoas "que sofreram graves violações de seus direitos e que não são lembradas pela sua condição humilde ou a pequenez dos acontecimentos em que estiveram envolvidas."
"Refiro-me aos indígenas que tiveram suas terras expropriadas, às mulheres que sofreram de abusos sexuais quando detidas pela polícia política, ao funcionário público que se negou a um ato de arbítrio, aos estudantes que foram detidos e agredidos de forma indiscriminada e outros", afirma.
Pesquisa
A pesquisa começou com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Na primeira fase, os pesquisadores armazenaram e indexaram 1.200 documentos da Comissão Estadual da Verdade, grupo que examinou e elucidou violações dos direitos humanos praticadas no Paraná entre 1946 e 1988.
Na segunda etapa, serão analisados documentos do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) do Paraná, arquivos da Argentina, do Paraguai e do Uruguai.
De acordo com a professora Marion, muitas perseguições se deram nestes países por causa da Operação Condor, um esquema de repressão e terrorismo de Estado coordenado pelos Estados Unidos e os regimes ditatoriais dos países do Cone Sul.
O coração do levantamento são os migrantes diaspóricos (haitianos, venezuelanos, colombianos), os povos originários e a violência de gênero. Segundo a professora, “a mulher abusada durante a ditadura fala de sua militância, mas não do abuso, porque para a militância há reconhecimento, para o abuso, não há nada. A maioria das mulheres que era detida ou presa, à época da ditadura, sofria de abuso sexual. Este crime carece, até hoje, de visibilidade e reparação”.
A segunda fase da pesquisa será possível graças a uma emenda complementar de R$ 100 mil, obtida através do deputado federal Gustavo Fruet (PDT).
Banco de dados
Paralelamente ao trabalho de campo, cientistas da informática trabalham na construção da plataforma DSPACE, um programa que organiza, disponibiliza e recupera os documentos para pesquisas futuras.
“Com as palavras-chave que o pesquisador ou pesquisadora pode digitar, podemos encontrar, por exemplo, camponesas mulheres que sofreram tortura ou operários que foram reprimidos em passeata ou advogados que delataram estudantes e assim por diante. À medida que incrementarmos um tema, a plataforma pode ser acrescida de mais e mais documentos, tanto quanto sair do universo regional e ser ampliada, como será gora, abarcando documentos de fora do Brasil, mais objetos de pesquisa poderão ser acrescidos”, explica a professora Marion.
Revisão dos crimes da ditadura
O trabalho do grupo de pesquisadores é mais um passo para o esclarecimento dos crimes de Estado cometidos durante a ditadura militar.
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“Na Argentina, no Chile, no Uruguai, todos sabem o que é um desaparecido, o que são as mães da Praça de Maio, ninguém quer uma polícia violenta, ninguém vota em quem defende a guerra ou quaisquer atos violentos. Ninguém que elogia torturador seria eleito para qualquer coisa. O Brasil foi o único país na América do Sul que não revisou os crimes de Estado perpetrados durante a ditadura, por isso, não surpreende que algumas pessoas admirem o regime militar, afirmando que aquela época era uma época de paz e harmonia. Afora isto, a impunidade, a polícia sabe que pode bater, que pode torturar, tem este exemplo na história”, defende a professora.
Fonte: BdF Paraná
Edição: Lia Bianchini