O estado do Amazonas vive uma nova onda de violência desde o último sábado (5), após a morte de um membro importante da facção criminosa carioca Comando Vermelho (CV) em confronto com a Polícia Militar do Amazonas. Tanto a capital como o interior sofreram ataques e incêndios a delegacias, escolas, praças, obras públicas e agências bancárias, retaliações à morte de Erick Batista da Costa, conhecido como Dadinho. A violência criminosa chega como mais um fator para formar a "tempestade perfeita" que despenca sobre a população.
Esta é a maior demonstração de força da facção no Amazonas desde 2019, quando assumiu o controle do crime organizado no estado, após uma guerra de dois anos com a facção Família do Norte.
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Nas últimas 48 horas, boa parte do comércio, escolas e serviços públicos — incluindo a vacinação contra a Covid-19 — foram suspensas por falta de capacidade dos governos estadual e municipais de coibir atos de violência. A população vive o desespero de não saber como terminará esse embate entre polícia e CV.
“Com a chegada do Comando Vermelho, deixamos de ter o bandido conhecido da comunidade e vivemos com traficantes que vieram de fora”, conta um arquiteto de 63 residente em um dos bairros controlados pelo CV em Manaus, que pediu anonimato por temer represálias. Ele afirma que “a Família do Norte" tinha parentes e amigos na região, por isso a situação não chegava ao ponto de violência atual. "Hoje, convivemos com o crime numa zona de guerra sem valor sentimental ou senso de comunidade, com bandidos que só recebem ordens vindas do Rio de Janeiro”.
Na noite de sábado, houve mais de cinco minutos de queima de fogos em todas as regiões de Manaus para homenagear Dadinho.
Até a publicação desta reportagem, só em Manaus já haviam sido alvos de incêndios duas delegacias de polícia, uma Unidade de Atendimento Básico de Saúde, sete ônibus, dois terminais de transporte público, quatro agências bancárias, duas casas, dois carros, um prédio público e instalações de um parque. Há relatos também de ataques a agências bancárias e prédios públicos no interior.
Na manhã de domingo (6), traficantes chegaram a fechar brevemente a avenida onde está localizada a prefeitura de Manaus como forma de intimidar o poder público.
O governo do estado anunciou que não tem policiais suficientes para coibir os ataques feitos pelo CV. Segundo o secretário de Segurança Pública, Louismar Bonates, a polícia conta com apenas 250 viaturas para realizar rondas em todos os 62 municípios do maior estado brasileiro em território.
O governador Wilson Lima (PSC-AM) afirma já ter solicitado apoio da Guarda Nacional ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Apesar da sensação de impotência, Bonates afirma que a PM conseguiu prender 29 pessoas que participaram dos ataques, sendo ao menos dois líderes do CV. Também foi apreendida uma criança de 11 anos que, segundo o secretário, havia sido cooptada pelo tráfico. Para a população, essa nova onda de ataques é apenas a mais recente das tragédias a acometer o Amazonas.
Fora a violência, o estado enfrenta atualmente a maior cheia dos rios de sua história, causando enchentes e problemas em ao menos 58 dos 62 municípios.
Como se não bastasse, a pandemia da covid tem tido um novo aumento de casos, com alguns pesquisadores e autoridades prevendo a possibilidade de uma terceira onda entre junho e julho.
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Na questão ambiental, o desmatamento no Amazonas tem crescido, e novos projetos de leis ameaçam abrir as porteiras do estado ao agronegócio, extração de madeira e grilagem de terras.
De uma forma geral, para o resto do país, a crise de violência no Amazonas é uma novidade trágica. Para a população, é uma nova culminação de diferentes problemas políticos e sociais que assolam o estado há décadas.
Pandemia
O número de casos e óbitos de covid voltou a subir no último mês, já sendo 13.063 vidas perdidas no Amazonas e 389.836 casos confirmados desde o início do surto. Manaus ganhou as manchetes nacionais em janeiro deste ano ao viver dias de caos por falta de oxigênio e colapso da capacidade de atendimento dos hospitais da cidade.
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Em declaração dada em abril, o então secretário de saúde do Amazonas, Marcellus Campêlo, afirmou que era esperada em até 60 dias a chegada da terceira onda de covid ao estado.
Mesmo assim, enquanto pesquisadores e profissionais de saúde observam com cautela o aumento da propagação do vírus, o governo do estado assume uma atitude mais conservadora de priorizar a “volta à normalidade”. Desde março, a cada semana, decretos estaduais têm reduzido de forma gradual as restrições para o comércio, indústria e aglomeração de pessoas.
Nas noites manauaras, é possível encontrar restaurantes, bares e shoppings aonde regras de distanciamento social não são respeitadas. Por ordem do governador Wilson Lima, as aulas na rede pública foram retomadas em todos os municípios, exceto na capital, em regime híbrido de alternância entre aulas presenciais e online.
Atualmente, não há um plano de longo prazo para conter o vírus no estado, apenas uma diretiva por parte do poder público estadual de analisar semanalmente o aumento no número de casos confirmados, internados e mortos em virtude da pandemia.
Soma-se a isso a crise política gerada pelo desgaste por que passa o governador Wilson Lima.
O político é réu junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) pela compra de forma supostamente irregular e superfaturada de respiradores logo no começo da pandemia, em 2020. Também enfrenta acusações de elaborar licitação fraudulenta com empresários locais para a contratação de um hospital de campanha e serviços de apoio logístico e de diagnósticos.
Lima, político de primeira viagem e eleito como uma alternativa à chamada “velha política” do estado, conta com pouco apoio na Assembleia Legislativa do Amazonas (ALEAM). Deputados estaduais pedem abertamente seu impeachment pelos corredores da Casa.
O governador também está com depoimento agendado para esta quinta-feira (10) na CPI da Covid-19, no Senado Federal. Já é esperado que enfrente hostilidade da base do governo federal, que busca culpar os governadores pela má gestão da pandemia.
No caso de Lima, é esperado também que seja confrontado pelos senadores Eduardo Braga (MDB-AM) e pelo próprio presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM). Ambos são caciques na política amazonense e devem por ainda mais pressão política contra o governador, já mirando nas eleições de 2022.
Meio Ambiente
O desmatamento no Amazonas está em constante ascensão desde 2017, com perdas acumuladas no período de 1.512,00 km² de área verde, segundo dados levantados pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). A maior parte dos focos de incêndio e desmatamento está concentrada no sudeste do estado, nas divisas com Pará e Rondônia.
A região é vista como porta de entrada para o agronegócio e grilagem de terras no Amazonas devido, principalmente, à promessa do governo Bolsonaro de asfaltar a BR-319, estrada iniciada durante a ditadura militar que liga Manaus à Porto Velho, capital de Rondônia.
Esse grupo ganhou mais força após a aprovação na Câmara dos Deputados, no último dia 14 de maio, do PL 3729/2004, também apelidado de “Lei da Autodeclaração”. O projeto reformula o processo de licenciamento ambiental no país.
Seus pontos mais polêmicos incluem a dispensa de licenciamento para vários tipos de empreendimento — incluindo estradas como a BR-319 —, e um mecanismo que permite a autodeclaração de posse para quem invadiu terras da União, basicamente legalizando a grilagem.
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“Esse projeto foi aprovado a toque de caixa. Não houveram grandes debates, participação popular e atende a interesse de empresas que estão acostumadas a agredir o meio ambiente”, critica o deputado federal José Ricardo (PT-AM), único parlamentar da bancada amazonense que se insurge contra a obra.
Edição: Vinícius Segalla