anarquia no exército

Sakamoto: "Meu Exército" livra Pazuello e dá poder a militar e policial bolsonaristas

A absolvição é anuência para a politização das Forças Armadas para apoio ao governo de Jair Bolsonaro

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Exército não viu transgressão disciplinar do general Eduardo Pazuello - Edilson Rodrigues/Agência Senado

"É simples assim: um manda, outro obedece" (PAZUELLO, 2020)

O Exército disse, nesta quinta (3), que não viu transgressão disciplinar na transgressão disciplinar do general Eduardo Pazuello. Acatou, assim, a justificativa do ex-ministro da Saúde, que disse que não participou de um ato político após participar de um ato político de apoio ao presidente da República.

Ainda devem vir à tona mais informações de como foi a negociação de Bolsonaro e do ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, junto ao comandante do Exército, general Paulo Sérgio de Oliveira, para cozinhar a vergonhosa passada de pano. Independente do cálculo feito, a mensagem que isso transmite aos quartéis militares e policiais é que o Brasil vive a Festa da Fruta. Tudo pode porque o Jair garante.

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Se esse for o novo normal, teremos que parar de criticar o presidente quando ele se referir à força como "Meu Exército". Afinal, quadros importantes da tropa realmente estão à sua disposição para necessidades políticas, familiares e eleitorais. A absolvição é, nesse sentido, anuência para a politização das Forças Armadas para apoio a Bolsonaro.

Da mesma forma, não haverá crítica possível quando ele começar a usar "Minha Polícia" ao tratar das forças de segurança nos estados. Se até o comando do Exército libera que regras sejam quebradas em nome do presidente, por que PMs não poderiam fazer o mesmo?

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Lideranças bolsonaristas insuflaram forças policiais no motim de agentes da Polícia Militar do Ceará, em fevereiro de 2020, e no caso do policial que entrou em surto psicótico e atirou nos próprios colegas antes de ser morto em Salvador (BA), em março deste ano.

A marcha da "guarda pretoriana bolsonarista" sobre a Constituição se fez sentir nos últimos dias, quando policiais de Pernambuco cegaram pessoas durante um protesto contra o presidente.

E quando um tenente da PM de Goiás prendeu um professor com base na Lei de Segurança Nacional por ter chamado o presidente de genocida.

Governadores afastam os envolvidos, como ocorreu em Pernambuco e Goiás. Mas a questão não é de meia dúzia de maçãs podres, já se tornou estrutural.

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A aderência ao bolsonarismo entre soldados, cabos, sargentos e subtenentes nos quartéis da PM é significativa em todo o país, mais até do que entre as Forças Armadas.

Pesquisa divulgada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em agosto passado, apontou que 41% dos praças da PM participavam de grupos bolsonaristas nas redes e aplicativos de mensagens, 25% defendiam ideias radicais e 12% defendiam o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional.

Diante desse cenário, esperava-se que o Exército demonstrasse independência para ajudar a traçar uma linha no chão.

Preferiu nos lembrar que não teria como fazer isso uma vez que é sócio da tragédia sanitária e social em curso, com representantes em posição de poder e bons salários no Palácio do Planalto, na Esplanada dos Ministérios, em estatais.

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Além do mais, o ex-ministro da Saúde não foi o primeiro. Se um Comandante do Exército faz pressão indevida ao Supremo Tribunal Federal, o que impede um general subir num palanque de um presidente?

Sim, a situação só chegou a este ponto, com Pazuello participando de micareta política ao lado de Jair e o Exército fazendo a egípcia, porque a porteira já estava aberta. Um dos casos mais notórios foi do seu xará, o general Eduardo Villas Bôas.

Às vésperas do julgamento do habeas corpus solicitado pela defesa do ex-presidente Lula no Supremo Tribunal Federal, em 3 de abril de 2018, ele afirmou em sua conta no Twitter:

"Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais".

Sua declaração foi vista (e sentida) como uma chantagem à corte. O HC acabou negado e Lula passou 580 dias na cadeia.

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O problema é que, uma vez aberta a porteira, é difícil de fechá-la. E a democracia, tão maltratada, não resiste a um estouro de boiada. Principalmente se vier de forças policiais, fiéis a Jair, questionando o resultado eleitoral no ano que vem.

O caso mostra que o sistemático ataque do bolsonarismo às instituições, que já atuou para sequestrar Polícia Federal, Coaf, Receita Federal, Ibama, ICMBio, Procuradoria-Geral da República, foi bem-sucedido ao substituir Fernando Azevedo e Silva por Braga Netto, no comando do Ministério da Defesa, no dia 29 de março. Ele vem garantindo o que o chefe queria.

E os efeitos da anarquia no Exército são sentidos muito além da política. Com um presidente que apoia a letalidade das forças de segurança, não importa se limites são impostos por superiores, pela lei, por governadores.

A percepção da impunidade ajuda a apertar o gatilho primeiro e só perguntar depois. Militares e policiais entram numa lógica miliciana, de fazer justiça com as próprias mãos.

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Em abril de 2019, o músico Evaldo dos Santos foi morto por militares, em Guadalupe, Zona Norte do Rio de Janeiro. Estava indo com a família para um chá de bebê.

Foram confundidos com bandidos. Luciano Macedo, catador de recicláveis que passava por lá, também foi morto ao tentar salvar a família de Evaldo. Ao todo, foram 257 tiros disparados por nove militares, dos quais 83 atingiram o carro.

Em sua defesa, os envolvidos transferiram a culpa para as vítimas. Como sempre faz o presidente.