A história se repete. O noticiário atual sobre a Amazônia mostra tribos indígenas ameaçadas por garimpeiros, posseiros e madeireiros, como os Yanomamis, que foram atacados por bombas e tiros, definham de fome, além de outras etnias que sofrem invasões em suas terras, sob o olhar beneplácito do Exército e do governo federal.
Nas décadas de 1970 e 1980, indígenas também passaram por problemas semelhantes. Naquela época, garimpeiros e mineradoras ocupavam imensas glebas no seio da floresta em busca de ouro e outros metais.
Empresas paramilitares, algo semelhante às milícias atuais, ligadas a militares, faziam o serviço para essas empresas. Trabalhadores eram ameaçados, indígenas exterminados. Nada mais atual, infelizmente.
Em plena floresta Amazônica, a 300 quilômetros de Manaus, estão localizadas as principais jazidas de cassiterita, tântalo, nióbio, urânio do Brasil, talvez as maiores do planeta. Também há enorme quantidade de ouro, outros minerais e metais. Sobre essas jazidas havia aldeias indígenas Waimiri-Atroari.
Nas décadas de 1970 e 1980, militares e empresários implantaram minas para exploração dessa riqueza. Mas para controlar a extração e ocupar o território precisaram eliminar as tribos existentes, o que provocou o quase extermínio da nação Waimiri-Atroari. Para com os trabalhadores, o controle era muito rígido, incluindo tortura e perseguição.
As mineradoras eram a Paranapanema e a Taboca, que contrataram uma empresa de segurança patrimonial pertencente a militares – Sacopan – para fazer os serviços de controle dos mineiros e extermínio dos indígenas, na cidade de Presidente Figueiredo (AM).
O Exército Brasileiro também participou da execução de milhares de indígenas Waimiri-Atroari. Há denúncias de espancamento, prisões ilegais, tortura contra mineiros e outros trabalhadores da mina de Pitinga, pertencente à Taboca/Paranapanema à época, e assassinato de indígenas Waimiri-Atroari por militares e homens da Sacopan.
O mestre de obras Edmar Fonseca relatou violência física e tortura de trabalhadores e a liberdade dos agentes da Sacopan para agir como achassem melhor.
“No meu ponto de vista, a guarda patrimonial era muito rígida e tinha muita autonomia para se impor aos trabalhadores. Tinha até cela na guarita, para prender os trabalhadores, e, às vezes, levavam os coitados para um canil, com cães pastores-alemães dentro. Eu mesmo fiz o piso do canil. Soubemos de um caso em que os guardas chegaram a tirar a unha de um cidadão. Ele precisava falar algo e, como não falou, arrancaram as unhas dele. Não tenho ideia do ele fez de errado para receber esta punição, mas não justifica eles tomarem tal atitude. Em 1986, presenciei um guarda-chefe dando pernada na boca de outro guarda. Falei para o guarda-chefe deixar o rapaz em paz, mas mesmo assim eles pegaram e bateram no cabra. Nós reagimos e tiramos o pobre coitado das mãos dos outros guardas”, disse em entrevista a Denison Silvam Menezes da Silva, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
“A força da Sacopan era maior que a da Polícia Militar do Estado do Amazonas naquela época”, diz Egydio Schwade, um dos fundadores do Conselho Missionário Indigenista (CIMI), que trabalha no Amazonas desde 1973.
:: Artigo | Situação Yanomani: aonde estão as Forças Armadas? Por Egydio Schwade ::
Ele presenciou a perseguição aos trabalhadores da mina de Pitinga e os assassinatos da população indígena. A ditadura chegou a proibir Schwade de entrar em áreas indígenas na Amazônia, devido seu trabalho em defesa dos Waimiri-Atroari.
Trabalhadores na mina de Pitinga se queixam de maus tratos e do excesso na jornada de trabalho e acidentes acobertados.
“O expediente começava às seis da manhã e ia até às 18 horas. Eram 12 horas trabalhadas, com muita hora-extra, que servia de incentivo. Os horários eram cumpridos com rigor. Em dois ou três casos, precisei trabalhar dia e noite, desatolar, puxar veículo, tirar caminhão quebrado na estrada. Houve muito acidente de veículo que me marcou muito, pois um rapaz amputou um braço, à noite, em 1986, no final desse ano. Foi um dos casos mais complicados que já presenciei. Não teve jeito, o rapaz perdeu o braço mesmo. Com a conscientização dos diretores em contratar pessoas experientes e o controle mais eficiente dos veículos, começamos a eliminar esses acidentes”, segundo o ex-supervisor de transporte José Adelmo de Oliveira.
A ex-lavadeira Edite de Souza Braga, que trabalhou de 1981 até 1983 na mina de Pitinga, disse a Denison Silvan que o local mais parecia com uma prisão.
Conta episódio que indica existência de tráfico de ouro dentro da mineradora. “A gente não tinha liberdade de nada, pois tudo era muito controlado pelos guardas, mas era tudo por causa do ouro. Eu e as outras duas lavadeiras, a Jorgina e Devandira, ajudamos o pessoal da segurança a pesar o ouro e colocá-lo nas caixinhas de 250 gramas e lacrar com fita. Só então a gente colocava o selo na caixa. Eles diziam assim: ‘Chama a danadinha que ela é boa de conta pra c...’. Na sala tinha o acusador, um aparelho parecido com um holofote (sensor de metal) para que a gente não roubasse nem um pouquinho do ouro do Pitinga. Naquela sala trancada, o ouro ficava dentro do vaso como se fosse farinha. Depois de embalado, as caixinhas de ouro eram colocadas numa caixa do tamanho de um estofado e daí levado para Manaus em um baú lacrado, protegido por muitos guardas”, contou a mulher, que cuidava da roupa de equipe de cerca de 400 funcionários durante a fase pioneira da Mineração Taboca.
“O ouro de Pitinga saia como se fosse cassiterita. Era extraído sem controle, de forma clandestina”, também denuncia Egydio Schwade.
Denison Silvam Menezes da Silva, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), estudou as relações de trabalho na Mineração Taboca na mina de Pitinga. Ex-funcionário da empresa – foi chefe do setor de Contas a Pagar -, entrevistou 12 trabalhadores que vivenciaram a truculência com que eram tratados nas décadas de 1970 e 1980.
O aspecto mais marcante da relação entre a Taboca e seus trabalhadores, afirmou, “foi o exercício do poder disciplinar diretamente relacionado ao cerceamento da liberdade individual e coletiva num espeço geográfico delimitado e rigidamente controlado por elementos da guarda patrimonial a ser viço da empresa”. Esses serviços de segurança foram desempenhados pela Sacopan.
A extração clandestina de ouro no complexo polimineral foi informação recorrente nas entrevistas com 12 trabalhadores da mineradora naquela época, segundo o estudo da UFMA. O pedreiro Edmar Fonseca crê que o principal motivo da truculência perpetrada pelos seguranças da Sacopan era o ouro existente no local. “Quando eu cheguei no Pitinga, em 1985, percebi um clima de guerra não declarada entre os trabalhadores e o pessoal da Sacopan. Os guardas eram outro tipo de gente dentro da mina. Tudo deles era separado dos trabalhadores comuns. Moravam num alojamento bem longe da gente, comiam numa parte separada do refeitório e não tinham nenhum tipo de amizade com os peões. A ordem que eles tinham era para nem olhar nos olhos dos trabalhadores. Quando o pessoal da prospecção encontrava uma mina de ouro, os guardas iam imediatamente para o local, para não deixar ninguém chegar perto. Com o passar do tempo, eles foram melhorando, até que foram substituídos pelo pessoal da Sequimina. Mas aí o ouro do Pitinga já tinha sido praticamente todo extraído e não precisava mais tanto controle, tanta violência”, relatou Edmar Fonseca durante entrevista em 2009.
Indigenistas já alertavam na década de 1980 que os dirigentes das mineradoras e também autoridades municipais de Presidente Figueiredo tinham conhecimento do lucrativo comércio de ouro, feito de forma camuflada.
Também foi denunciada a extração de minerais nobres como tântalo, nióbio, ítrio, entre outros, mas que eram comercializados como se fossem cassiterita e estanho, como forma de camuflar a venda ilegal que estava ocorrendo há vários anos.
Carta de agosto de 1988, contida no arquivo do Serviço Nacional de Informações (SNI), revela informações repassadas por dirigentes da Paranapanema/Taboca aos governantes.
O grupo previa investimentos de 43 milhões de dólares em pesquisa, mineração e metalurgia no Pitinga, para a produção de 19.250 toneladas de minério. “22 milhões de dólares serão investidos na separação de minerais nobres (tântalo, nióbio, ítrio....) .... Sabe-se também que há ouro contido no minério do Pitinga. Aparentemente tudo foi vendido até aqui como cassiterita ou estanho”, aponta a carta dos missionários.
Tântalo e nióbio são elementos essenciais para a indústria eletrônica. Compõem baterias de celulares, computadores e filmadoras, além de óculos e air bags de veículos.
A alta resistência para altas temperaturas também faz o metal ser requisitado para composição de gasodutos e indústria espacial. O Brasil é responsável por 14% da produção mundial de tântalo. Em terras amazônicas estão 61% das reservas do minério de todo planeta. Pitinga é a única produtora da liga tântalo-nióbio.
A Mineração Taboca informa em seu portal a exploração de nióbio e tântalo, através de sua liga metálica FeNbTa, produto obtido da fundição do minério de columbita presente na mina de Pitinga.
O relatório “Minerais estratégicos e terras raras” do Centro de Estudos e Debates Estratégicos - Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados em Brasília, de 2014, registra que “no Amazonas destaca-se o depósito de Pitinga, com uma reserva lavrável de 170,2 milhões de toneladas de minério columbita-tantalita”, e que Pitinga vem “sendo um dos maiores depósitos de cassiterita do mundo. Individualmente, é a maior produtora brasileira de cassiterita”.
Já o concentrado de cassiterita proveniente de Pitinga é fundido para obtenção do estanho refinado com 99,9% de pureza na planta da Taboca em São Paulo. É uma das poucas empresas do mercado mundial de estanho a possuir mina própria, sendo a mina de Pitinga uma das mais ricas do mundo, com longevidade estimada em 100 anos, aponta o relatório da Câmara dos Deputados.
Os militares continuam de olho nas jazidas amazônicas. Além desses metais nobres e ricos, há depósitos de urânio em Pitinga. Avaliação aponta existência de pelo menos 300 mil toneladas de urânio nas jazidas no Amazonas.
O governo de Jair Bolsonaro quer permitir que empresas estrangeiras exploram essas reservas brasileiras. Mas é necessária modificação da Constituição e liberação do Congresso Nacional para isso acontecer.
Essas tentativas de mudanças na legislação tiveram início ainda durante o governo de Michel Temer, através do decreto nº 9.600 de dezembro de 2018, que foi conduzido pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI), comandado por militares.
E prossegue sob a batuta de Bolsonaro. O decreto fala em “fomentar pesquisa e prospecção de minérios nucleares, incentivar a produção nacional desses minérios e seus subprodutos para atender demanda interna e exportações e assegurar o recurso geológico estratégico de minério nuclear”.
A mina e a vila de Pitinga
A estrutura da mina de Pitinga foi erguida na primeira metade da década de 1980 em Presidente Figueiredo (AM). As atividades na mina localizada a 300 quilômetros de Manaus, dentro da reserva indígena Waimiri-Atroari, começaram em 1981, dois anos depois da descoberta dos primeiros indícios de existência de cassiterita em afluentes do Rio Pitinga, a norte do Amazonas.
A construção da vila onde moravam os trabalhadores e do complexo minerador foi realizada sob o comando do engenheiro militar Ivan Pereira Augusto. Nos depoimentos colhidos pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), 12 pessoas relatam a ocorrência de 16 acidentes de trabalho graves no período de 1982 a 1990, com seis mortes de trabalhadores. Os casos eram ocultados e os corpos das vítimas retirados do local do acidente sem perícia.
“Um colega meu, o Alfredinho, que era carpinteiro, caiu da barragem de uma altura até meio boa. Teve sorte porque caiu num local sem ferragem. Se tivesse caído um pouquinho mais para qualquer um dos lados tinha sido perfurado pelos vergalhões de ferro. Não morreu, mas ficou com problema na cabeça. Tá lá em Santarém. Eu mesmo nunca vi morte instantânea no Pitinga. Mas o negócio é o seguinte, se morresse alguém ali, a gente não ficava sabendo, pois podiam tirar o corpo do trabalhador escondido e ninguém dava conta”, contou o pedreiro José Fonseca.
A direção da Paranapanema na década de 1970 tinha grande proximidade com generais e militares da cúpula do governo federal. Contrataram profissionais de segurança oriundos das Forças Armadas para atuar na mineradora. O coronel Nelson Dorneles da Silva, engenheiro militar formado em 1968, oficial da reserva à época, defendia os interesses da mineradora comandada pelo empresário paulista Octávio Cavalcanti Lacombe.
Outro militar contratado pela Paranapanema foi o coronel José Veras da Silva, especializado em planejamento, desenvolvimento e implantação de métodos, técnicas e processos de segurança civil e militar. Veras criou a Sacopan, especializada em segurança patrimonial de empreendimentos extrativistas minerais localizados em áreas distantes dos centros urbanos.
“Especialmente formatada como força tarefa da Paranapanema, a Sacopan estava capacitada a aplicar modernas técnicas de administração voltadas para a proteção de quaisquer tipos de empreendimentos, ao treinamento de pessoal e ao comando, controle e coordenação das atividades de segurança. Por volta de 1978, a empresa comandada por Veras passou a coordenar as atividades de segurança de inúmeros empreendimentos tocados pela Paranapanema na Amazônia”, ressalta Denison Silvan, da UFAM.
O desenvolvimento e ampliação da segurança privada no Brasil está relacionada às violações de direitos humanos e abuso de poder, mas ainda não alcançou a agenda do debate público, aponta o dossiê “Segurança privada e direitos humanos” da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns.
“É consenso de todos que o marco legal encontra-se defasado, e por consequência, o controle das próprias empresas legalizadas, sem deixar de excluir o debate sobre as empresas clandestinas e milícias na relação com as políticas de segurança pública”, destaca o dossiê.
Como empresa civil, armada, usando táticas e técnicas características das Forças Armadas para o desenvolvimento de seus serviços, a Sacopan apresentava estrutura organizacional semelhante à militar. Tornou-se uma força paramilitar especializada em “atividades de segurança rural”. Teria, inclusive, segundo Denison Silvan, autorização do Comando Militar da Amazônia (CMA) para a consecução de seus objetivos.
Segundo registro na Receita Federal, a Sacopan foi constituída em 25 de maio de 1984, anos depois de ter iniciado a prestação de serviços de segurança. Hoje não existe mais. Tinha como endereço imóvel no bairro residencial de Raiz, rua das Acácias, Manaus. Para o SNI, fazia prestação de serviços a obras, consultoria, planejamento e implantação de segurança e segurança patrimonial.
O quadro societário era formado pelo então chefe de polícia do Comando Militar da Amazônia (CMA), João Batista de Toledo Camargo, pelo coronel da reserva Antônio de Almeida Fernandes; e pelo então tenente Tadeu Abraão Fernandes. Eles comandavam a Sacopan no trabalho de segurança da Mineração Taboca/Paranapanema e no controle de todo acesso à terra indígena Waimiri-Atroari.
Fernandes, em entrevista à revista Veja em novembro de 1985, disse que o grupo de segurança não era formado por jagunços. “Somos prestadores de serviços, especialistas em posseiros e garimpeiros”, dissera ao contar que a quantidade de trabalho na Amazônia era muito grande: “É tanto serviço que não dá para respirar”. A reportagem da Veja está incluída em dossiê do SNI sobre a Sacopan.
A empresa de segurança tinha autorização do Comando Militar da Amazônia (CMA) para utilizar armamento de grosso calibre e fazer “segurança patrimonial”, segundo relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Mas de acordo documento do Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário de 5 de junho de 1985, a Sacopan não tinha autorização da Secretaria de Segurança do Amazonas para utilização de armas de fogo, apesar de já estar prestando serviços há vários anos. Os donos da empresa ainda tentavam obter a autorização formal junto ao governo estadual.
“Para sua atuação na área, a mineradora Paranapanema contratou uma empresa paramilitar chamada Sacopã, especializada ‘em limpar a selva’. Havia 400 homens equipados com cartucheiras 20 milímetros, rifle 38, revólveres de variados calibres e cães amestrados”, conforme texto do relatório da CNV, volume II.
Genocídio dos Waimiri-Atroari
Os indígenas Waimiri-Atroari já vinham sofrendo ataques do Exército durante a construção da rodovia BR-174, que liga o complexo de mineração a Manaus e Boa Vista, passando dentro de suas aldeias e inaugurada em 1983. Naquela época, líderes indígenas também sofreram violência cometidas por pessoas ligadas à Taboca, segundo Egydio Schwade, um dos fundadores do Conselho Missionário Indigenista (CIMI) e que fazia trabalho de alfabetização dos Waimiri-Atroari. “Foi um genocídio terrível”, lembra.
Schwade conta que os integrantes das aldeias questionavam ele e a esposa sobre o que estava acontecendo. “Taboca chegou, Tikiriya (como são chamados entre si) sumiu, por que?. Outra expressão recorrente era: “a casa toda furada. Parede caiu. Taboca foi no lugar onde Tikiriya morava”. A comunicação entre eles e os indígenas era feita através de desenhos. E os desenhos guardados pelo indigenista retratam violência extrema.
Entre os anos 1970 e 1980, na área ocupada pela Taboca havia pelo menos nove aldeias Waimiri-Atroari. “Havia 3 mil pessoas da etnia nessas aldeias, localizadas entre Manaus (AM) e Boa Vista (RR). Sobraram cerca de 300”, afirma Schwade. Esses casos também estão relatados pela Comissão Estadual da Verdade do Amazonas. Dados da própria Funai mostram que no começo da década de 1970 eram 3 mil indígenas dessa etnia próximos e dentro da área da mineradora; e depois da intervenção dos militares, sobraram apenas 350 indivíduos em 1983.
Uma das aldeias dizimadas era a Yawara, localizada à margem direita do rio Alalaú. Sobreviveram 31 pessoas, o restante desapareceu durante a construção da BR-174. Segundo a Comissão da Verdade do Amazonas, a pessoa mais velha tinha em torno de 40 anos. Todas as outras a idade estava acima de 10 anos. As crianças eram todas órfãs, com exceção de duas irmãs. Quem não morreu assassinado pelos militares e seguranças, padeceu durante surto de sarampo em 1981, sem apoio da Funai.
Para piorar a situação dos indígenas, os militares acreditavam que havia “terroristas” infiltrados nas aldeias. Seriam “guerrilheiros” que estavam na região do Araguaia, na primeira metade da década de 1970. Aviões da Força Aérea e helicópteros do Exército jogaram bombas e armas químicas por sobre as ocas. Além dos ataques, lançaram panfletos com texto em forma de versos que sugeriram a rendição em troca de perdão. A ação foi denominada “Operação Atroaris”.
Diz o texto: “Guerrilheiro, Lê com atenção esta 'mensagem'. Guarda este panfleto com cuidado. Ele é o teu passaporte para a vida. Estás cercado. Teus momentos estão contados. Vê na operação esboçada que teu fim está próximo! Teus companheiros estão morrendo. Tu mesmo estás ferido. Os soldados brasileiros – teus irmãos, estão cada vez mais próximos. A aviação te bombardeia sem cessar. Olha a bandeira de teu país. És brasileiro – lembra-te disto. Reflete, pensa bem – o verdadeiro inimigo pode estar a teu lado: Repudia-o, aprisiona-o, mata-o. Irmão – rende-te. Teu passaporte: esta mensagem. Tua recompensa: a vida. Teu futuro: perdão. Do comandante do teatro de operações”.
O Esquadrão Aeroterrestre de Salvamento, mais conhecido como PARA-SAR, esquadrão paraquedista de Operações Especiais e Busca e Resgate da Força Aérea Brasileira (FAB) bombardearam as aldeias durante festas religiosas dos Waimiri-Atroari em 1974, de acordo com denúncias da CIMI e dos próprios sobreviventes.
José Porfírio de Carvalho, então sub-coordenador da Coordenação da Amazônia da Funai, durante o período mais agressivo contra os indígenas entre 1973 a 1975, disse que a Funai e os militares do 6º BEC mentiram para a imprensa ao comentarem que o fogo nas aldeias fora provocado pelos índios. Carvalho, no livro “Waimiri-Atroari a história que ainda não foi contada”, escreveu que os índios teriam provocado o incêndio “temendo alguma represália das pessoas que estavam no avião”.
Entretanto, observa que não poderia “descartar a hipótese de que tenham sido incendiadas pela Aeronáutica, que já controlava o movimento dos índios naqueles dias”. Outro integrante da Funai na região da mina de Pitinga, Sebastião Amâncio, declarou ao jornal O Globo de 6 de janeiro de 1975 que havia sido empregada muita violência contra os indígenas, incluindo armas de fogo.
O coronel João Tarcísio Cartaxo Arruda, comandante do 6º Batalhão de Engenharia e Construção, disse em 1975 que a construção da BR-174 era irreversível. “A estrada é importante e tem que ser construída, custe o que custar. Não vamos mudar o seu traçado, que seria oneroso para o Batalhão apenas para pacificarmos primeiro os índios... Não vamos parar os trabalhos apenas para que a Funai complete a atração dos índios”. Falecido em 1996, Arruda integra a lista de 377 perpetradores de crimes durante a ditadura militar, segundo a CNV.
Ex-presidente da Funai, Apoena Meirelles, disse ao jornal O Estado de São Paulo em 17 de agosto de 1975, que é muito claro o que presenciou no território Waimiri-Atroari. “Ainda em Brasília (...) todos pediam que eu tivesse cuidado com os traiçoeiros Waimiri-Atroari. Mas a estória é outra, e chegamos mesmo a mentir à opinião pública nacional, não contando a verdade dos fatos que levam esses índios a trucidar as expedições pacificadoras. (...) os índios enfrentam hoje os mais sérios problemas: é a estrada que corta a sua reserva, proliferando o ódio e a sede de vingança contra o branco invasor”.
Em 1968, o então governador do Amazonas, Danilo Duarte de Matos Areosa, em mensagem ao Ministro do Interior, Albuquerque Lima, protestava contra pedido da Funai de interdição da área. Classificava como “medida absurda” e solicitava providências para garantir “a construção da estrada através do território indígena, a qualquer custo”, considerando o índio um inútil, que precisava “ser transformado em ser humano útil à Pátria”.
“Os silvícolas ocupam as áreas mais ricas de nosso Estado, impedindo a sua exploração, com prejuízos incalculáveis para a receita nacional, impossibilitando a captação de maiores recursos para a prestação de serviços públicos”.
Em 1975, o governador de Roraima Fernando Ramos Pereira declarou: “Sou da opinião que uma área rica como essa não pode se dar ao luxo de conservar meia dúzia de tribos indígenas atravancando o seu desenvolvimento”.
Os indígenas perderam mais de 500 mil hectares de suas terras para a instalação da mineradora e da BR-174.
Foram vítimas de morte, com uso de dinamite, bombas e metralhadoras, além de outros armamentos pesados pelo Exército entre 1967 e 1968 e por empresas privadas de segurança nas décadas de 1970 e 1980. Também tiveram boa parte do território inundado para a formação do reservatório da hidrelétrica de Balbina (1986-1987); além de sofrer com extração dos recursos florestais e minerais.
O que dizem as empresas
A Mineração Taboca S.A. é uma empresa que foi adquirida pelo Grupo Minsur em 2008, podendo responder somente pelos fatos ocorridos após esse período.
Desde o início de sua atuação, dentre outros valores, exerce suas atividades com foco na sustentabilidade, primando pelo respeito e responsabilidade social, seja em relação a seus colaboradores, contratados, fornecedores ou partes interessadas.
Especificamente no que refere à comunidade indígena existente no entorno do empreendimento minerário de Pitinga, possui e mantemos estreito canal de comunicação, baseado em uma relação de confiança e transparência consolidada ao longo desses últimos 12 anos, a partir da aquisição e desenvolvimento minerário na unidade de Pitinga.
A assessoria de imprensa da Paranapanema afirmou, por telefone, que a administração da empresa pertencia a outras pessoas e entidade à época. E hoje o comando da empresa não pode se responsabilizar pelo ocorrido. A Sacopan, de acordo com a Receita Federal, teve suas atividades encerradas. Os militares proprietários não foram localizados.