Dos 20 países que integram o G-20, o Brasil lidera o ranking do total de mortes por covid-19 a cada 1 milhão de habitantes. Quando a régua muda para o total de doses aplicadas por 100 habitantes, o Brasil cai para a 11º posição, atrás, por exemplo, de Turquia, Arábia Saudita e China.
Os dados são da plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford. Os 20 países representam 80% da produção econômica mundial, cerca de 65% da população global e 75% quartos do comércio internacional.
Para Helio Bacha, infectologista e membro da Sociedade Brasileira de Infectologia, os números poderiam ser outros se a política sanitária do governo federal fosse diferente.
“É evidente que nós tivemos um atraso na vacinação, porque houve uma subestimação da importância da vacina", ressalta.
Segundo Bacha, a estratégia do governo Bolsonaro se concentrou na tentativa de alcançar a "imunidade de rebanho" na população.
"Nós tivemos já desde o início da pandemia uma postura dominante no comando do enfrentamento à pandemia de uma visão que subestimava o vírus, achava-se que nós teríamos um limiar do número de casos através de uma imunidade coletiva provocada pela própria doença”, aponta.
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Além da falácia da teoria de rebanho, não se investiu em medidas simples de combate à pandemia, no âmbito federal, como o uso de máscara e distanciamento social.
“Nós fizemos muito pouco em esforço de política externa e sanitária no sentido de adquirir e termos prioridades nas vacinas. Nós atacamos todos os organismos multilaterais que nessa situação são os organismos mais importantes”.
Apenas 10,42% da população do país, em cerca de cinco meses de vacinação, recebeu as duas doses de vacina necessárias para completar o esquema vacinal contra o novo coronavírus.
O índice representa 22.063.266 pessoas. Já a primeira dose foi aplicada em 45.233.638 pessoas, 21,36% da população, segundo o consórcio de veículos de imprensa. Paralelamente, o Brasil contabiliza 461.931 mortos desde o início da pandemia, em março de 2020, de acordo com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).
Bolsonaro à frente dos números
À frente desses números, está a gestão da pandemia feita por Jair Bolsonaro (sem partido). O governo poderia ter evitado pelo menos 80.300 mil mortes se tivesse fechado o contrato oferecido pelo Instituto Butantan em outubro de 2020 para a compra de 100 milhões de doses, que seriam distribuídas aos brasileiros até maio deste ano, de acordo com um estudo realizado pelo coordenador do Epicovid-19, o mais abrangente estudo epidemiológico da doença no país, e professor da Universidade Federal de Pelotas, Pedro Hallal.
O cálculo também estima que 174.642 internações em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) poderiam ter sido evitadas. A Coronavac começou a ser aplicada no dia 17 de janeiro.
Soma-se a isso a negativa dada pelo governo federal a uma oferta do laboratório estadunidense Pfizer, em agosto de 2020, que teria disponibilizado ao país mais 4,5 milhões de doses entre dezembro do ano passado e março deste ano.
Se aceita a oferta, cerca de 14 mil óbitos teriam sido evitados. Juntas, Pfizer e CoronaVac, se distribuídas anteriormente aos brasileiros, poderiam ter evitado 95.500 mortes.
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A metodologia utilizada pelo professor se baseou em algumas premissas, como um terço da população com anticorpos, letalidade do coronavírus de 1% e eficácia da CoronaVac de 50% e da Pfizer de 94%.
Segundo o depoimento do diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, na última quinta-feira (27), da mesma maneira que o governo federal recusou sete ofertas de imunizantes da farmacêutica estadunidense Pfizer, o governo paralisou as negociações estabelecidas pelo Ministério da Saúde com o Instituto Butantan.
No dia 7 de outubro, o Butantan ofertou 100 milhões de doses, sendo 45 produzidas até dezembro de 2020, 15 milhões até fevereiro de 2021 e 40 milhões até maio.
“De fato, tiveram intensas tratativas. Aparentemente tudo estava indo muito bem”, afirmou Covas à CPI, tanto que, no dia 20 de outubro, ocorreu um anúncio do protocolo de intenções da contratação de 46 milhões de doses, como estabelecido pelo contrato. No entanto, já “a partir do dia 20 de outubro, essas tratativas não progrediram”.
Segundo Covas, “houve uma inflexão diante de uma manifestação do presidente da República dizendo que a vacina não seria de fato incorporada. Isso causou uma frustração da nossa parte”, afirmou Covas.
O curso das negociações mudou devido a uma fala do presidente Jair Bolsonaro feita no dia 21 de outubro durante uma visita a um centro militar da Marinha em Iperó (SP).
"Houve uma distorção por parte do João Doria no tocante ao que ele falou. Ele tem um protocolo de intenções, já mandei cancelar se ele [Pazuello] assinou. Já mandei cancelar. O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade. Até porque estaria comprando uma vacina que ninguém está interessado por ela, a não ser nós", afirmou Bolsonaro.
Em seguida, o então ministro Eduardo Pazuello afirmou que “quando um manda, o outro obedece”.
Edição: Leandro Melito