Um terço da produção mundial de alimentos está em risco por conta das emissões de gases do efeito estufa e do aquecimento global. Essa é a principal conclusão de um estudo publicado neste mês pelo periódico científico One Earth — e o Brasil, grande produtor agropecuário, deve ser seriamente afetado, se medidas não forem tomadas para reduzir a degradação ambiental.
Os pesquisadores, das universidades de Aalto, na Finlândia, e de Zurique, na Suíça, realizaram projeções considerando três cenários para o futuro: um mundo em que o aquecimento global fique limitado a 2 graus Celsius, chamado de "baixa emissão"; um aumento de 3 graus, a hipótese mais provável de ocorrer ainda neste século, considerando o contexto atual; e um aquecimento global de 5 graus, um cenário de "alta emissão". Todas essas mudanças climáticas foram consideradas em comparação à era pré-industrial.
Os cientistas procuraram avaliar o impacto que tais mudanças climáticas teriam em cada região produtora de alimentos do globo — e, então, concluíram se as atividades econômicas hoje desenvolvidas ali estão em risco ou não.
Na pesquisa, convencionou-se chamar de "ambiente climático seguro" aqueles onde ainda é viável desenvolver a produção de alimentos.
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Foram avaliadas as 27 culturas alimentares mais importantes do planeta e sete tipos de rebanhos animais utilizados para alimentação humana. Países de áreas subtropicais e temperadas seriam menos afetadas.
Dos 177 países analisados, 52 permaneceriam em espaços "seguros" no futuro — boa parte dos países europeus. Mas, no total, o cenário mais pessimista significaria que um terço das áreas hoje agropecuárias do planeta se tornariam improdutivas.
O Brasil, seria bastante afetado, sobretudo nas regiões Centro-Oeste e Nordeste. "Em um cenário de alta emissão, grandes partes do Brasil estariam fora do ambiente climático seguro", esclarece à DW o professor Matti Kummu, da Universidade de Aalto, principal autor do estudo.
"De acordo com nossas estimativas, cerca de 17% da produção agrícola brasileira de alimentos e 37% da produção pecuária podem estar fora do espaço climático seguro até o fim deste século."
Isto no pior cenário. Caso o aquecimento global se mantenha na tendência atual, ou seja, com um aumento de 3 graus Celsius, o prejuízo às áreas produtivas brasileiras seria de 6% em relação à agricultura e 22% à pecuária. Já na perspectiva mais otimista, ou seja, manter o aquecimento abaixo de 2 graus, toda a produção de alimentos no Brasil ficaria dentro do espaço climático seguro.
"Seria a melhor opção", diz Kummu. "Isso requer, naturalmente, muitas intervenções. A melhor opção é reduzir pela metade as emissões de gases de efeito estufa e interromper as mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, novas variedades de culturas precisam ser desenvolvidas, adaptadas às futuras condições climáticas."
"Desmatamento predatório"
Se a longo prazo a agropecuária brasileira corre riscos, no atual momento os números são animadores para o setor.
De acordo com levantamento divulgado no mês passado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção brasileira de grãos deve superar, pela primeira vez na história, as 270 milhões de toneladas na safra deste ano, um crescimento de 6,5% em relação ao ano anterior.
Especialistas, contudo, acreditam que tal crescimento é sinal de que estamos engrenando em um ciclo vicioso. Oficialmente, a safra recorde é resultante, entre outros fatores, de um aumento de quase 4% da área cultivada. Em outras palavras, um indicativo de aumento de desmatamento.
"No médio e longo prazo, o Brasil deixará de ser uma potência agrícola por conta da política ruralista hoje implementada", diz o biólogo Lucas Ferrante, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
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Ele afirma que, com a tecnologia existente hoje, o Brasil "já tem área desmatada suficiente para aumentar a produção agrícola como se precisa para dominar o mercado mundial".
"O que vemos é um desmatamento predatório que tem prejudicado e irá prejudicar as safras nacionais.
O Brasil deveria ser o primeiro país a defender medidas para mitigar as mudanças climáticas, porque é um dos países que mais deve sofrer perdas agrícolas por conta delas", complementa ele.
"Expandir a agricultura para a região amazônica, por exemplo, é um tiro no pé. Desmatar não aumenta a produção agrícola. Coloca o país em risco e diminui a produção."
Segundo Ferrante explica, tais ações prejudiciais ao meio ambiente, além de acelerar o aquecimento global, acabam interferindo no regime das chuvas, inviabilizando muitas culturas.
Exemplos de alterações já são visíveis em algumas regiões — cafezais abortam suas flores sob temperaturas acima dos 27 graus, o que já vem sendo relatado em algumas plantações de Minas Gerais, e a região Sul do país enfrenta, desde o ano passado, um período de estiagem.
"Não adianta ter território para plantio se você não tem condições para fazer a lavoura florir e dar frutos. A situação é drástica", argumenta o pesquisador.
Impacto da indústria
Vice-chefe do Departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (USP), o engenheiro agrônomo Carlos Eduardo Cerri concorda que o setor agrícola é afetado com as mudanças climáticas e defende práticas conservacionistas para mitigar esses efeitos.
É o caso de técnicas de plantio direto e rotação de culturas, além do uso racional de fertilizantes e outros insumos. "Isso aumenta o sequestro de carbono. E a integração entre lavoura, pecuária e floresta, os sistemas integrados, ajudam na menor emissão de gases na atmosfera", explica.
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Cerri aponta para o fato de que, no Brasil, atividades de silvicultura e agropecuária respondem por algo em torno de 20% a 25% das emissões de carbono. "Já a indústria, que usa combustível fóssil, é responsável pela maior parte."
Mas o professor salienta que a indústria não é afetada pelo aquecimento global, enquanto a agropecuária, sim — não só pelo aumento das temperaturas, mas também pela mudança de precipitação.
"A agricultura, a pecuária e a silvicultura estão sofrendo os impactos [das mudanças climáticas] e podem sofrer mais intensamente", ressalta.
"Há práticas conservacionistas [feitas pelo setor] que ajudam muito [a mitigar esses efeitos], tanto para reduzir as emissões como para aumentar a fixação do carbono. Mas não vejo o mesmo esforço sendo feito por outros setores que mais emitem gases mas não são impactados."