As manifestações antibolsonaro deste sábado (29) surpreenderam. Milhares de pessoas que não negam a pandemia ocuparam as ruas do país para materializar uma desaprovação que já é apontada pelas pesquisas de opinião mais recentes.
O que se viu nas ruas, a despeito do medo da pandemia e da repressão policial como a que aconteceu em Recife (PE), foi mais que uma mobilização partidária de oposição. Além da presença dos movimentos sindical, estudantil, indígena, negro, dos sem terra e dos sem teto, por trás dos cartazes que pediam vacinas, impeachment e chamavam o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de "genocida" havia olhos indignados. Com máscaras, escudos contra a covid-19, são os olhos que se pronunciam.
A expressão das pessoas revelou sobretudo um sentimento de imenso pesar, que só brota quando a dor da perda é insuportável. Foram recorrentes em diversas cidades pessoas empunhando palavras difíceis como "meu pai morreu de covid", o maior símbolo da legitimidade dos protestos.
As manifestações também foram impulsionadas pela postura de deboche demonstrada pelo presidente da República, seus apoiadores, sua família, seus ministros e seu ex-ministro da Saúde general Pazuello no final de semana passado durante o passeio de motocicleta no Rio de Janeiro, que têm constantemente estimulado aglomerações sem máscara, sem pudor, sem respeito, sem cuidado com a população, que está mergulhada na tristeza e no desalento.
As mortes são muito concretas, assim como a fome. Os protestos foram importantes para demarcar que o comportamento negacionista e a omissão diante das crises sanitária e social serão cobrados, inclusive dos representantes do Legislativo que têm atuado na CPI da Covid e na Câmara dos Deputados para tumultuar a compreensão sobre a responsabilidade acerca do combate da pandemia e de seus efeitos.
O que se viu nas ruas do país neste sábado foi um termômetro, que deve deixar políticos em alerta: a faísca necessária para dar impulso a uma onda cada vez maior em direção ao afastamento de Bolsonaro pode ter sido lançada.
A tendência é que esse volume aumente conforme a população seja vacinada.
O que ficou evidente nesses protestos — e é inegável — foi a existência de um forte luto capaz de mobilizar por mudança.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
** Artigo publicado originalmente pelo UOL Universa e gentilmente cedido por Maria Carolina Trevisan