A Operação Mundurukânia, contra garimpos ilegais no Pará, não contou com o apoio logístico do Ministério da Defesa por falta de verba, denunciou o jornalista Rubens Valente, do Portal UOL. Iniciada no último dia 25, a operação teve como primeiro local de atuação o município de Jacareacanga, interior do estado, após o vazamento de informações para os garimpeiros ilegais da região.
A ação, que contou com agentes do Instituto Nacional do Meio Ambiente (Ibama), Polícia Federal (PF), Força Nacional e Polícia Rodoviária Federal (PRF), não conseguiu impedir os ataques promovidos pelos invasores à comunidade Fazenda Tapajós, onde a casa de uma das principais lideranças foi incendiada.
Maria Leusa é coordenadora da Associação Wakoborun, associação de mulheres indígenas contrárias à mineração em terras indígenas, e há anos vêm denunciando os impactos da atividade clandestina.
A ação é resultado da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que acatou parcialmente ação cautelar protocolada no último dia 19 pela Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que pedia a retirada de garimpeiros ilegais da Terra Indigena Yanomami (TIY) e a adoção imediata de proteção às comunidades indígenas da TIY e dos Mundurukus, nos estados de Roraima, Pará, Amazonas e Mato Grosso.
O ofício é assinado pelo chefe do Gabinete do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, Major Flávio Luiz de Oliveira Pinto, e enviado pelo Ministério da Defesa ao Ministério da Justiça e Segurança Pública em 21 de maio. No documento, lê-se que o apoio logístico seria postergado enquanto os recursos destinados para a ação não fossem recebidos.
O documento também afirma que o exército estava à disposição e que, recebendo a verba, prestaria o apoio solicitado para a operação.
Em nota enviada ao Brasil de Fato, o Ministério da Defesa (MD) informa que não procede a informação de que a "Defesa cancelou apoio à operação da PF contra garimpos no Pará", como afirmou reportagem do Portal UOL" e diz que a publicação acaba "induzindo o leitor à desinformação".
"Ao contrário do que foi dito na matéria, atualmente estão ocorrendo ações de apoio logístico à Polícia Federal contra ilícitos em terra indígena Yanomamis (Palimiú) e na terra indígena Karipuna, sendo essas duas missões dentro da faixa de fronteira".
Porém, na mesma nota, o Ministério da Defesa diz que "aguarda a liberação de recursos orçamentários extraordinários em ação orçamentária específica deste Ministério para atender às operações contidas no Plano Operacional da Polícia Federal, para o pleno atendimento à decisão da ADPF 709, especialmente na região fora da faixa de fronteira".
Busca legal por segurança
O Ministério Público Federal (MPF) disparou uma série de ofícios para autoridades federais e estaduais requisitando reforço na segurança pública na região de Jacareacanga, no sudoeste do Pará, e proteção para lideranças ameaçadas por garimpeiros.
Segundo nota divulgada pelo MPF, mesmo com a escalada de violência contra os indígenas, as forças federais e estaduais se retiraram da região na quinta-feira (27).
Ofícios alertando para a gravidade da situação foram enviados à PF, Fundação Nacional do Índio (Funai), Secretaria de Segurança Pública do Pará, Polícia Civil do Pará, Comando Militar do Norte, Força Nacional de Segurança Pública e às Secretarias Executivas dos Ministérios da Justiça e do Meio Ambiente.
O ofício narra o ataque ocorrido no dia 26 contra a aldeia de Maria Leusa Kaba Munduruku e alerta para as ameaças feitas contra as lideranças Ademir Kaba Munduruku, Isaías Krixi Munduruku e Ana Poxo Munduruku.
“Tais atos dão-se em contexto estratégico e programado de pretensão de silenciamento das lideranças Munduruku, os quais ocorrem, impressionantemente, sob os olhos do Estado brasileiro”, diz o ofício do MPF, que ressalta que o risco à vida de lideranças não é uma situação desconhecida das autoridades.
Nos ofícios enviados, pede-se “especificamente às forças vinculadas à União que, em prazo máximo de dez horas, proveja e mantenha, seja por conduto das Forças Armadas ou Força Nacional, efetivo armado – dispondo de quantitativo e subsídios materiais suficientes – para garantir a segurança do povo Munduruku e impedir nova invasão das terras indígenas Munduruku e Sai Cinza”.
À Secretaria de Segurança Pública do Pará, o MPF pediu um diagnóstico sobre a situação atual da segurança na região, que hoje conta com apenas quatro policiais militares na cidade de Jacareacanga e que seja solicitado o reforço da Força Nacional para o local.
Além dos ofícios às autoridades, o MPF fez uma petição à Justiça Federal, dentro de um processo em que, desde 2020, tenta mobilizar as forças policiais e ambientais para coibir o garimpo ilegal no sudoeste do Pará.
Para o MPF, a atuação tem sido “episódica”, o que em vez de encerrar as atividades ilegais, vem contribuindo para acirrar os conflitos. A operação dessa semana foi planejada para atender ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), mas não houve qualquer planejamento ou estruturação indicativa de que as forças de segurança permanecerão no território após a conclusão da fase ostensiva.
::Funai diz que presta segurança a Yanomamis sob ataque do garimpo; indígenas desmentem::
“Ao que tudo indica, a pretensão é – como se deu nas experiências anteriores – meramente realizar a operação e, após, abandonar o território”, diz o pedido feito à Justiça.
“A rigor, a deflagração da Operação Mundurukânia - como era advertido - acirrou os ânimos derredor dos conflitantes e, portanto, elevou a escala de tensão na região, razão pela qual os requeridos (Funai, Ibama e governo federal) detém absoluta responsabilidade por gestionar a transição ao final da fase ostensiva e, inclusive, coordenar e gestionar junto ao estado do Pará e município de Jacareacanga (base da operação) as necessidades para a manutenção da segurança pública”, diz a petição.
A Justiça Federal, caso atenda os pedidos do MPF, pode determinar, no prazo máximo de 24 horas, que se proveja e mantenha efetivo armado para garantir a segurança do povo Munduruku.
O pedido à Justiça cita especificamente as aldeias Pombal, Santa Cruz, Katô, Missão Cururu e Poxorebem, todas ameaçadas de novas invasões de garimpeiros.
Procurado pelo Brasil de Fato, o Ministério da Justiça e Segurança Pública não se pronunciou até o fechamento desta reportagem.
Mulheres indígenas pedem apoio para reconstrução de casas incendiadas
A Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn lançou nesta sexta-feira (28) campanha de arrecadação de recursos para a reconstrução das casas da família da coordenadora da associação.
Os incendiários destruíram completamente uma das casas da família e parcialmente outra. Nas moradias viviam 19 pessoas, na aldeia Fazenda Tapajós, na Terra Indígena Munduruku.
As doações em dinheiro podem ser transferidas para o pix de chave tipo e-mail para [email protected] , em nome de Lays Branco Uchôa (por segurança, a Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn prefere que as doações sejam enviadas a uma apoiadora da associação e não diretamente para a conta corrente da coordenadora da entidade, para evitar a divulgação de dados pessoais, como o CPF).
Segundo o MPF-PA, em março, na zona urbana de Jacareacanga, o grupo pró-garimpo depredou o prédio da associação Wakoborũn, destruindo documentos, móveis e equipamentos, além de produtos indígenas à venda no local. Em abril, novamente na zona urbana de Jacareacanga, por duas vezes o grupo pró-garimpo roubou itens pertencentes à associação, como combustíveis e tanque de motor de barco.
Além desses ataques diretos às mulheres indígenas e de ameaças frequentes contra elas, desde março o grupo favorável ao garimpo ilegal também violentou fisicamente homens indígenas contrários à mineração ilegal e impediu trânsito de viatura de fiscalização ambiental na região, conforme denúncias da comunidade local.
Edição: Vinícius Segalla