Havia chegado a hora de procurar novos temas, parar pra respirar, fazer pesquisa e buscar inspiração
Com muita dificuldade, preciso começar dizendo que esta é minha última coluna aqui. Pelo menos por um tempo. Há dois anos, coloquei-me o desafio de escrever quinzenalmente sobre gastronomia e ecologia para o Brasil de Fato, que acolheu a ideia com entusiasmo.
O objetivo era dar vazão a um monte de ideias de pesquisa, de assuntos e paixões sobre o tema, mas também uma maneira de voltar a escrever com regularidade e sem as amarras da escrita acadêmica sobre um assunto fundamental. Do ponto de vista pessoal, era voltar a me apaixonar pelo texto, pelos temas, por uma maneira de ver e entender o mundo que envolvesse um tema que está presente na nossa história e no nosso cotidiano, a comida. Do ponto de vista coletivo, era colocar essas ideias para o debate e esperar que elas tivessem algum eco na elaboração sobre o produzir e o consumir os alimentos.
:: Cauim, a bebida ritual dos índios ::
Escrever sobre alimentação, maneiras de comer, ingredientes, árvores e preservação da natureza é sempre desafiador, pois esse é um dos grandes desafios da vida moderna. Dessa forma, tentei dar conta de uma variedade de maneiras de abordar o tema, das relações econômicas envolvidas no plantio de monoculturas, como a banana, ao trabalho envolvido no plantio, na colheita, no consumo de alimentos, como nos cantos de trabalho das separadoras de café.
Nesses dois anos, vivemos mais da metade deles numa pandemia e muitas colunas sobre isso: a gripe espanhola de 1918 e os limões, as guerras e o chocolate, a comida e os remédios. Não foi fácil viver o distanciamento isolamento social nesse período, e a coluna me possibilitou refletir sobre o cotidiano na cozinha do dia a dia. Outro assunto que sempre me preocupou foram as enormes mudanças na alimentação promovida por grupos e conglomerados industriais – das sementes transgênicas aos alimentos hiperindustrializados. Tentei falar sempre que pude de abelhas, de árvores, de lugares de preservação.
:: Sobre o trigo, o pão e as padeiras no século 19 ::
Escrever a coluna a cada duas semanas era como preparar um jantar para os amigos. Escolhia os temas, pesquisava, pensava e finalmente colocava as mãos na massa. Depois de publicado o texto sentava à mesa com todos e às vezes, glória máxima para uma cozinheira, recebia algum comentário.
Um historiador italiano da alimentação, Massimo Montanari, escreveu que comida é cultura. No seu livro, numa concepção ampla, a cultura permearia todas as relações humanas desde os tempos imemoriais – a coleta, o cultivo, a preparação e o consumo. Nessa coluna tentei falar de todos os aspectos envolvendo a alimentação humana, em diferentes séculos e de muitas maneiras.
:: El choripan de Cristina Kirchner e os nossos sanduíches de mortadela ::
No fundo, ao escolher os temas, eu fazia uma espécie de jogo secreto e individual com Montanari – escrever sobre as práticas alimentares mais diversas possíveis, olhando-as sob diferentes lentes, virando e revirando os objetos, as formas e assuntos mais variados possíveis.
Obviamente, isso está longe de se esgotar em apenas dois anos de textos. Mas achei que havia chegado a hora de procurar novos temas, parar pra respirar, fazer pesquisa e buscar mais inspirações. Manter a coluna apenas por manter acabaria tirando o gosto, penso eu, de fazê-la, e, para o leitor, de lê-la, apreciá-la.
:: Sobre gelos e sorvetes no século 19, ou sobre como o capital cria novas necessidades ::
Gosto muito também de pensar, assim como muitos outros pesquisadores sobre tema, que a cozinha pode ser equiparada à linguagem, que possui vocábulos (os ingredientes), que são organizados a partir de uma gramática (as receitas que dão sentido aos ingredientes, transformando-os em alimentos), de sintaxe (o cardápio ou a ordem dos pratos) e de retórica (os comportamentos de convívio). Uma analogia que funciona em muitos níveis e de muitas maneiras diferentes.
Nessa linguagem que é a alimentação e que todos compartilhamos diariamente queria deixar não um adeus, mas um até breve.
*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo