O professor Marcelo Buzetto, pós doutor em Política Internacional pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e autor do livro “A questão Palestina”, conversou com a Tribuna sobre o conflito entre Israel e Palestina. Ele esteve várias vezes na Palestina, representando o setor de Relações Internacionais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Via Campesina. Nas últimas semanas, mais de 200 palestinos já morreram, incluindo mais de 40 crianças, e 10 israelenses perderam a vida durante os ataques.
Tribuna Metalúrgica: O que motivou esse conflito recente?
Marcelo Buzetto: Dois fatos motivaram as mobilizações. O primeiro porque o governo de Israel iniciou uma operação de despejo de famílias palestinas em Jerusalém Oriental. São famílias que já viviam essa situação de expulsão de suas casas pelo avanço do colonialismo israelense. Hoje cerca de 40 mil estão ameaçadas de serem expulsas. Israel quer colocar famílias de judeus que vieram de outros países, geralmente dos Estados Unidos, para ocupar essas casas. O segundo fator são as provocações de colonos sionistas que atacaram a esplanada das mesquitas em Jerusalém, local sagrado dos muçulmanos. Os palestinos estavam em oração na mesquita, o exército invadiu, jogou bombas de efeito moral, gás lacrimogênio e prendeu muita gente. Como as agressões estavam sendo constantes, aconteceu uma reação dos palestinos de Gaza em solidariedade para exigir a retirada imediata dos israelenses da esplanada das mesquitas e o fim da política de expulsão.
E qual a origem desse conflito?
Não é um conflito religioso, a origem é a disputa territorial. Existiam palestinos judeus, cristão e muçulmanos e eles viviam em paz, até 1948. Ser palestino era uma identidade nacional. O problema é que de 1897 a 1947 surgiu um movimento colonialista na Europa chamado sionismo, um movimento nacionalista judaico, conservador, antidemocrático e racista que quer expulsar os árabes da Palestina.
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Durante esse período eles ocuparam a Palestina e iniciaram um movimento de colonização com o apoio do império britânico. Há um movimento de judeus antissionistas, o problema dos palestinos não é com os judeus, é com os sionistas. Os judeus sempre estiveram na Palestina. Penso que um dia a Palestina vai ter um Estado único onde pessoas de diferentes religiões e opiniões políticas possam viver em paz e com direitos iguais, esse é o sonho da maioria dos palestinos.
O que representa a data 15 de maio? Ela tem relação com o que está acontecendo agora?
É o nascimento do Estado de Israel que os palestinos chamam de “A catástrofe” porque começou aí a expulsão deles. Os sionistas começaram a trabalhar com a ideia de que os judeus foram o povo eleito por Deus para governar a Terra Santa, desde a criação do Estado de Israel, em 15 de maio de 1948.
Os palestinos fazem manifestações nessa semana para lembrar quando começou o regime de apartheid, limpeza étnica e de genocídio. De 15 de maio de 1948 até dezembro de 1949, 750 mil famílias palestinas foram expulsas de suas casas. Nesse mesmo período, 530 aldeias palestinas foram destruídas pelo exército israelense.
E como se deu a divisão dos estados palestino e israelense?
Os palestinos eram dominados pelo império turco-otomano, quando acabou a 1ª Guerra Mundial, havia uma promessa dos britânicos e franceses que se derrotassem o império turco-otomano, a Palestina seria independente. Os palestinos se juntaram à Inglaterra e França e derrotaram o império turco-otomano. No pós-guerra queriam uma república independente, mas a Inglaterra sai da Palestina em 14 de maio de 1948 e ajuda a criar o Estado de Israel. A ONU aprova a criação de dois estados, um judeu e um palestino, só que a maioria da população era muçulmana. Israel, em 15 de maio de 1948, já tinha tropas, armas, munição e havia grupos terroristas atuando na Palestina.
Há uma enorme diferença de forças bélicas, mas os israelenses alegam que o Hamas ataca sem avisar e para todos os lados, enquanto os israelenses dizem que só atacam os terroristas e com prévio aviso. Isso é verdade?
Não é verdade, não existe terrorismo palestino, os palestinos fazem resistência diante do colonialismo israelense, é um típico confronto entre colonialismo e movimento de libertação nacional. Pelas regras estabelecidas pela ONU, qualquer nação que for invadida e agredida tem o direto de se organizar e resistir por todos os meios para garantir sua independência nacional e a libertação da sua pátria. O Hamas é uma das organizações de libertação nacional que luta com os meios que possui, os palestinos não têm helicóptero, carros blindados, tanques, navios. Por isso que há uma desigualdade muito grande nas forças. Eles possuem armas que fazem artesanalmente.
É possível resolver isso de outra forma com ajuda internacional?
Precisa haver um forte movimento de solidariedade internacional aos palestinos e de pressão contra Israel. A primeira medida seria que pessoas do mundo inteiro pressionassem Israel para cumprir as resoluções da ONU em relação à Palestina, como a retirada das tropas de Jerusalém e cessar imediatamente os ataques.
Você que já esteve lá algumas vezes lá, o que presenciou? Quais são as principais dificuldades na vida dos palestinos?
Israel proíbe o povo de Gaza de pescar, região onde a subsistência sempre foi a pesca. Israel controla totalmente a ida e vinda dos palestinos, não existe liberdade de ir e vir, nem de pessoas nem de produtos. Isso dificulta muito o desenvolvimento econômico. É uma tragédia humanitária de grande proporção.
Bolsonaro condenou o lançamento de foguetes pelo Hamas e pediu o fim dos ataques contra Israel. Como avalia isso?
Bolsonaro é uma figura aliada ao governo de Israel. Na verdade o que chamamos de Israel eu diria que é uma imprecisão do ponto de vista do direito internacional porque Israel na verdade é a Palestina que foi ocupada em 1948. Seria importante que a população de Israel derrotasse as forças políticas de direita e extrema direita, sionistas que têm pensamento muito próximo do que pensa Bolsonaro e que trata os palestinos como inimigos.