O depoimento do ex-diretor da Pfizer no Brasil, Carlos Murillo, à CPI da covid-19 confirma o desinteresse do governo de Jair Bolsonaro em adquirir a vacina da empresa estadunidense, produzida em parceria com o laboratório alemão BioNtech.
Murillo informou, nesta quinta-feira (13), que a primeira reunião realizada com o governo brasileiro sobre aquisição de vacinas ocorreu ainda em maio de 2020. Três meses depois, somente em agosto, o Brasil ignorou três ofertas de imunizantes, o que levou o país a deixar de aplicar 4,5 milhões de doses de dezembro de 2020 até o fim do primeiro trimestre deste ano. A primeira vacinação no Brasil ocorreu no dia 25 de janeiro de 2021.
Para Murillo, o Brasil “provavelmente” poderia ter iniciado a vacinação ainda em janeiro, caso o governo de Jair Bolsonaro tivesse aceitado as cláusulas do contrato da Pfizer.
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A título de comparação, a primeira aprovação do imunizante da Pfizer no mundo foi no dia 1º de dezembro de 2020, na Inglaterra. Lá, oito dias depois, vacinou-se o primeiro paciente com o imunizante. Depois, foram os Estados Unidos, que aprovaram a vacina no dia 11 de dezembro de 2020, aplicada pela primeira vez três dias depois.
Calendário das ofertas
A primeira proposta foi feita no dia 14 de agosto, envolvendo a compra de 500 mil doses ainda em 2020; 1,5 milhão de doses no 1º trimestre de 2021; 5 milhões de doses no 2º trimestre de 2021; 33 milhões de doses no 3º trimestre de 2021 e 30 milhões de doses no 4º trimestre de 2021.
A segunda, feita no dia 18 de agosto, estabelecia 1,5 milhão de doses ainda em 2020; 1,5 milhão de doses no 1º trimestre de 2021; 5 milhões de doses no 2º trimestre de 2021; 33 milhões de doses no 3º trimestre de 2021; e 29 milhões de doses no 4º trimestre de 2021.
Por fim, a terceira proposta feita no dia 26 de agosto, somava 1,5 milhão de doses para 2020; 3 milhões de doses para o 1º trimestre de 2021; 14 milhões de doses para o 2º trimestre de 2021; 26,5 milhões de doses para o 3º trimestre de 2021; e 25 milhões de doses para o 4º trimestre de 2021.
Depois de agosto, mais outras quatro propostas foram feitas: duas em novembro, ofertando 70 milhões de doses em cada proposta; uma em fevereiro deste ano, para 100 milhões de doses; e a sétima, em março de 2021, que finalmente negociou a compra de 100 milhões de doses.
Diante da demora de uma resposta, o CEO da Pfizer, Albert Bourla, chegou a enviar uma carta para as autoridades brasileiras cobrando um posicionamento. “O que eu posso confirmar é que depois de feitas estas ofertas, com data de 12 de setembro, nosso CEO [Albert Bourla] mandou uma comunicação para o governo do Brasil indicando nosso interesse em chegar a um acordo. E que nós tínhamos fornecido para o governo do Brasil as propostas anteriormente mencionadas”, afirmou Murillo.
A carta foi enviada a Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão; Braga Netto, chefe da Casa Civil; Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde; Paulo Guedes, ministro da Economia; e Nestor Forster, ex-embaixador do Brasil nos EUA.
O governo brasileiro demorou dois meses para responder a carta do CEO da Pfizer. A revelação foi feita na última quarta-feira (12), pelo ex-secretário de Comunicação do governo federal, Fabio Wajngarten, que apresentou o documento à CPI da Covid.
O Brasil fechou janeiro com 224.504 óbitos e 9.294.731 casos, desde o início da pandemia. Hoje, já são 428.034 vidas perdidas, mais de 200 mil vidas a mais, e 15.359.397 infectados, cerca de seis milhões a mais, de acordo com o Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).
Até às 20h desta quarta-feira, o Brasil vacinou cerca de 18,5 milhões de pessoas com as duas doses, somando os imunizantes de todos os fabricantes. Em termos percentuais, o número representa 8,81% da população do país, segundo o último balanço do consórcio de veículos de imprensa.
Contradição de Pazuello
No dia 23 de janeiro deste ano, o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, afirmou que o Brasil não havia fechado acordo com a Pfizer, pois a empresa teria apresentado condições “leoninas”, o que teria dificultado o acordo. Na CPI, Murillo desmentiu o bolsonarista.
“Não estou de acordo com as condições leoninas”, informou o dirigente da empresa, Segundo o ex-presidente da Pfizer, as condições ofertadas ao Brasil foram as mesmas apresentadas aos demais 110 países para os quais doses estão sendo comercializadas. Além dos EUA, a União Europeia, Japão, Canadá, Israel, Austrália, México, Equador, Chile, Costa Rica, Colômbia, Panamá e todos os demais países que compraram o imunizante aceitaram essas exigências.
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As cláusulas em questão são três: o depósito de valores estabelecidos em contrato em uma conta da Pfizer no exterior, como garantia de pagamento; o julgamento de eventuais questões contratuais sob a jurisdição de um tribunal de Nova York, nos Estados Unidos; e a aceitação de um termo de responsabilidade por eventuais efeitos colaterais do imunizante.
Ainda, com base no depoimento de Carlos Murillo, em novembro foi discutida, entre autoridades brasileiras e empresários da Pfizer, a necessidade de uma autorização legislativa para resolver a segurança jurídica dos contratos apresentados pela Pfizer, que, segundo Bolsonaro, tinha cláusulas “leoninas”. O governo de Jair Bolsonaro, no entanto, não editou nenhuma medida legislativa nesse sentido.
Carlos Bolsonaro em reunião sobre vacina
Murillo também confirmou que o vereador do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro (Republicanos), e filho do presidente, esteve presente em reunião com representantes da Pfizer sobre negociação de imunizantes, em dezembro de 2020, no Palácio do Planalto, ainda que por um breve momento, junto com Filipe Martins, ex- assessor Internacional do Presidente da República, Fabio Wajngarten, a diretora jurídica da empresa, Shirley Meschke, e a gerente de relações governamentais Eliza Samartini.
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“Após aproximadamente uma hora de reunião, Fabio recebeu uma ligação, saiu da sala e retornou para reunião. Minutos depois entram na sala de reunião Filipe Garcia Martins e Carlos Bolsonaro. Fabio explicou a Filipe Garcia Martins e a Carlos Bolsonaro os esclarecimentos prestados pela Pfizer até então na reunião. Carlos ficou brevemente na reunião e saiu da sala. Filipe Garcia Martins ainda permaneceu na reunião”, contou Murillo à CPI.
No depoimento desta quarta-feira, Wajngarten negou ter participado de negociações com a Pfizer e afirmou que nunca foi próximo do vereador Carlos Bolsonaro."Nunca fui próximo dele, nunca tive intimidade com ele, nunca tive relação qualquer com ele", afirmou.
O próximo depoimento à CPI da Covid será do ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, no dia 18 de maio.
Edição: Morillo Carvalho