Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, a deputada Anabel Belloso, da Frente Farabundo Martí para la Liberación Nacional (FMLN), único partido de esquerda de El Salvador, afirma que a destituição de magistrados do poder judiciário pela Assembleia Legislativa é uma quebra do Estado de direito.
A decisão proclamada pela maioria governista do Parlamento no último fim de semana, acendeu um sinal vermelho na comunidade internacional e foi amplamente críticada.
A nova composição da casa legislativa, com eleição massiva de deputados do partido Nuevas Ideas (NI), criado pelo presidente Nayib Bukele em 2018, amplifica os poderes e controle do direitista.
Isso porque, com a nova composição da assembleia e novos indicados para o Judiciário, o político não encontrará quaisquer dificuldades para aprovar suas decisões.
Já a Câmara Constitucional, que teve seus membros retirados do cargo, é responsável por garantir o cumprimento da Constituição e vinha sendo atacada pelo presidente em razão da suspensão de normas relacionadas à pandemia consideradas abusivas pelo tribunal.
Para a deputada Belloso, que compõe a minoria e oposição no Parlamento, a decisão é revanchista e não possui base legal.
O afastamento dos magistrados seria uma retaliação por apontarem as inconstitucionalidades cometidas pelo órgão Executivo e adoção de políticas de exceção em meio à pandemia.
“À demissão foi acrescentada a nomeação expressa de novos magistrados, de acordo com o que o governo deseja, contornando processos regulados por lei, para realizar a eleição. Os eleitos no sábado passado não vigiarão a institucionalidade e a lei. É o controle de outro órgão pelo presidente, concentrando o poder em uma mão”, diz Belloso.
“O golpe de Estado já foi executado e está avançando, pois após a demissão dos magistrados, o Procurador Geral da República também foi demitido e foi nomeado um novo, com um perfil muito questionável e próximo ao governo. As conseqüências vêm em cascata, não limitadas à crise política e institucional”, complementa a deputada.
Na visão da parlamentar, as investidas autoritárias irão aprofundar a crise econômica no país gerando queda nos investimentos e mais desemprego.
Bukele acumula críticas no que tange investidas autoritárias. Em fevereiro do ano passado, por exemplo, o presidente estremeceu relações com a antiga Assembleia Nacional ordenando que militares e agentes da Polícia Nacional Civil (PNC) invadissem o prédio do Legislativo para “pressionar” os parlamentares pela aprovação de um empréstimo de US$ 109 milhões para financiar um plano de segurança.
Na ocasião, em entrevista ao jornal El País, Bukele disse que a ordem para invadir o Parlamento foi "apenas um ato de presença" e afirmou que, se fosse um ditador, "teria assumido o controle de tudo".
Agora, com a destituição da Câmara Constitucional, o político está na mira de organismos internacionais como a Human Rights Watch e a Organização dos Estados Americanos (OEA).
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Segundo a parlamentar da FMLN, a preocupação da comunidade internacional com os recentes acontecimentos é válida e necessária.
“É condenável este retrocesso que parece ser o início de um colapso total. Além de representar grande risco para as vozes contrárias que não são a favor de tais ações”.
A chegada de Bukele à presidência pôs fim a disputa entre o partido conservador Arena e a FMLN, de esquerda, que se alternavam no poder desde o fim da guerra civil no país, em 1992.
Edição: Leandro Melito