Ontem (03/05/2021), li o artigo do Paulo Nogueira Batista Jr., “Hora de partir para a jugular” e fiquei com muitas dúvidas. Hoje, relendo o texto, as dúvidas se confirmaram. Menciono este artigo porque muitos amigos o compartilharam.
Os pressupostos de Paulo Nogueira são discutíveis: Bolsonaro viveria seu pior momento, expresso na dificuldade de aprovação do orçamento e no desgaste de Paulo Guedes; há desconfiança na base parlamentar; Lula foi reforçado como candidato; a CPI do Covid seria a antessala do impeachment; o vice seria razoavelmente civilizado e será provavelmente um presidente fraco, que governaria sob tumulto; pode ser mais facilmente batido por Lula...
Relativizo estes pressupostos ou impressões. Não dá para comparar facilmente os piores momentos de Bolsonaro; inúmeras vezes o orçamento teve sua aprovação atrasada; o centrão é volúvel por natureza; com as instituições que temos, a candidatura de Lula estará sempre ameaçada (como alerta Roberto Amaral); a CPI do Covid remexerá em crimes bem conhecidos; Mourão pode ter melhores modos, mas é um reacionário de convicções mais sólidas do que Bolsonaro, um pregador da truculência e nada garante que será um presidente fraco. Ao contrário, poderia ser capaz de articular um leque de forças potente o bastante para enfrentar Lula.
Estranhei que Paulo não tocasse no ponto que, imagino, seja o mais desconcertante para Bolsonaro e seus apoiadores (não apenas o “gado”, mas a turma da bufunfa, a militância evangélica e os militares). Esse ponto é a grande inflexão nas diretrizes da política econômica dos Estados Unidos.
Caso as propostas de Biden passem pelo parlamento estadunidense (e acho que há chances disso acontecer), faltará chão para Paulo Guedes e a milicada brasileira que responde efetivamente pelo governo. Para saber o que acontecerá no Brasil, hoje, além dos desdobramentos da pandemia e dos humores do povo, é preciso acompanhar a extraordinária promessa de enterro do neoliberalismo anunciada por Biden.
Pelo que li ontem nos jornais estadunidenses e europeus, parece que de repetente houve uma inversão, a geopolítica passando a interferir no grande jogo financeiro. Washington resolveu tomar posição no dilema: encara a China ou cede-lhe a hegemonia.
E, para enfrentar a China, o primeiro impasse é a busca da unidade interna dilacerada por décadas de neoliberalismo. Pelo que diz Biden, a redução das desigualdades nos Estados Unidos entrou finalmente em pauta. O descontrole social, a perda de espaço na inovação tecnológica e a degradação ambiental constituem hoje as grandes ameaças ao centro mundial do capitalismo. O enfrentamento desses problemas repercutirá mundo afora. Bagunçará a cabeça das elites brasileiras. Engasgará falsos defensores da Amazônia, notadamente os generais brasileiros. A guinada de Biden pode favorecer o afastamento de Bolsonaro.
Lula tem chances de emergir e se consolidar como candidato de centro. É o mais habilitado para negociar concessões ao povo sem ferir demasiado os grandes. Pode voltar a ser aceito pela classe média, que sofre. Ninguém melhor que Lula para cortar o fio que leva ao barril de pólvora armado por Bolsonaro e a hierarquia militar. Lula saberá recompor as relações internacionais do Brasil.
Se minhas impressões têm cabimento, logo, logo, Bolsonaro estará sem apoio no Congresso. Alguns do Centrão já caçam conversa com Lula.
Quanto à milicada, Marcelo Godoy, no Estadão, assinalou que seu ativismo está sendo refreado. Muitos oficiais estão apagando suas manifestações nas redes sociais. Parecem reduzir a frenética militância midiática em que se meteram nos últimos anos. Uma minoria poderá ir ao túmulo com Bolsonaro. Ao admirador de milicianos sobrará a tentativa de promover badernas sangrentas, mas sem futuro.
Mourão não sabe penetrar no coração do povo nem é unanimidade entre os seus pares. Não reunirá força para um golpe de mão. Gosta muito de mandar, mas sabe obedecer. Passou a vida aprendendo a respeitar o Grão Senhor do Ocidente.
Sobrevindo o impeachment, quem sabe, Mourão entre para a história como o comandante do retorno das Malvinas brasileiras.
Edição: Vivian Virissimo