Desde que a pandemia teve início no mundo, entre tantas incertezas, uma certeza que todos os países tinham era a da necessidade de adotar programas de suporte de renda para a população mais afetada pela crise – os vulneráveis.
Algumas medidas foram tomadas de forma ampla nos países da Europa e da América Latina. Exemplos não faltam de ampliação de benefícios sociais preexistentes, ampliação do seguro-desemprego, manutenção dos empregos com subsídios de salários, ou ainda novos programas de renda, como até aconteceu no Brasil com o auxílio emergencial.
Pesquisa publicada na revista Economics & Human Biology, coordenada pelo economista Abraham Asfaw, da Universidade de Bates, nos Estados Unidos, indicam que o fator determinante para atuar diretamente na redução da letalidade por covid-19, entre os mais vulneráveis, é a ampliação dos programas adotados pelos países.
Essa proteção pode ser tanto com valores como com a ampliação do atendimento da população. Dessa forma, o isolamento social é mantido e são reduzidas as chances de as pessoas sem emprego saírem em busca de sobrevivência.
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O mesmo estudo, feito até maio de 2020, estima que 3,69 milhões de casos de contaminação por covid-19 foram evitados, assim como 166,69 mil mortes.
Enquanto vários países reconhecem a importância estratégica de garantir a vida, a sobrevivência e a dignidade de seu povo, o Brasil deixou sua população quatro meses sem auxílio emergencial e, depois de muito embate, aprovou o benefício com reduções absurdas.
Por aqui, não temos pesquisas específicas, mas podemos ter uma noção ao comparar o impacto demonstrado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) quando revelou que a aprovação do auxílio emergencial – com os valores de R$600 e R$1.200, para mães-solo – alcançou 68 milhões de brasileiros e atuou fortemente na diminuição da desigualdade de renda e da pobreza.
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Esse efeito foi temporário e a redução do benefício, já em 2020, trouxe efeitos negativos, ampliados drasticamente com a suspensão do programa em dezembro do ano passado.
Não por acaso, o IBGE acaba de revelar que no trimestre que se encerrou em fevereiro deste ano chegamos a 14,4% de desempregados – o maior percentual em nove anos! Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) revelam que, no último ano, foram fechados 7,8 milhões de postos de trabalho.
Agora, em 2021, sem orçamento de guerra e decreto de calamidade, o governo federal coloca a população como refém da covid-19. Sim, são reféns de um governo que desconsidera os direitos da população.
Reféns de uma política que reduz o valor do auxílio a três faixas (R$150, R$ 250,e R$ 375) e a quantidade de pessoas beneficiadas para, no máximo, 40 milhões.
É como se fosse possível decidir, entre os mais pobres e vulneráveis, os brasileiros que têm direito a receber uma ajuda ínfima e quem pode se arriscar nas ruas em busca de sobrevivência.
Insistimos em mostrar ao povo brasileiro que a vida não é prioridade. Ao mundo, que já nos revelou experiências bem-sucedidas de proteção da população, enviaremos a mensagem de que salvar vidas não é nossa prioridade.
Não aprendemos com a experiência dos outros países. Não aprendemos com as mortes que se sucedem a uma velocidade absurda e que só evidencia nosso descaso com a vida, com a vacinação e com as pessoas. E, ao não aprendermos, já ultrapassamos 400 mil mortes pela covid-19.
Paola Carvalho é diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica, uma das 300 organizações responsáveis pela campanha #auxilioemergencialateofimdapandemia
Edição: Leandro Melito