BRASIL À VENDA?

Plano de desestatização de Guedes está "na contramão do mundo", diz economista

Para supervisor técnico do Dieese-RJ, privatização dos Correios e Eletrobrás deve impactar recuperação da economia

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Correios garantiram entregas durante o período de isolamento social causado pela pandemia de covid-19 - Marcelo Camargo/Agência Brasil

No Brasil, as milhares de mortes pela covid-19, impulsionadas pelo negacionismo de Jair Bolsonaro,  não tem sido o bastante para frear a agenda de privatizações do governo federal.

O alvo mais recente do ministro da Economia, Paulo Guedes, são os Correios, que hoje surpreende pela eficiência do serviço durante a crise sanitária. 

Segundo última auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), mesmo em trajetos de difícil acesso, 97% das entregas foram feitas dentro do prazo, incluindo o envio de livros e materiais em mais de 5200 municípios para o início do ano letivo – por meio do Programa Nacional do Livro Didático do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

Além disso, o balanço mais recente da estatal, que será apresentado em maio, deve apontar um lucro líquido de mais de R $1,5 bilhão, em 2020. 

“A gente está fazendo todos os serviços essenciais, estamos chegando em todos os lugares. Já perdemos mais de 200 vidas para o covid no exercício da profissão, e em plena pandemia, o governo trabalha com a aceleração de medidas que privatizam a empresa”, aponta José Rivaldo da Silva, secretário geral da Federação Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telégrafos e Similares (Fentect).

Ignorando as demandas da greve de 2020, Bolsonaro incluiu o Correios no Programa Nacional de Desestatização em decreto assinado no dia 13 de abril. As justificativas do governo recaem sobre a falta de autossuficiência da empresa e a pouca capacidade de investimentos. Nos bastidores, porém, o que se vê é uma forte pressão por parte de gigantes do ramo logístico.

"Amazon, Magazine Luiza, B2W... Todo mundo quer fazer entregas”, declarou Guedes, em novembro de 2020. 

Na Câmara dos Deputados, a proposta que abre caminho para a privatização da estatal tramita com urgência desde semana passada, apesar do relator do texto, o deputado Gil Cutrim (Republicanos-MA), já ter declarado que não há pressa para apresentar o relatório. 

Sob o comando do general Floriano Peixoto, a tentativa de enfraquecimento da empresa é notada principalmente na criação do Plano de Desligamento Incentivado (PDI/2020), em 2020 - que possibilitou o desligamento de aproximadamente 17 mil trabalhadores.

"Mesmo com toda essa diminuição da empresa, somos ainda o maior operador logístico do país", aponta Silva, que atua há 24 anos como carteiro.  

Hoje, os Correios têm cerca de 90 mil funcionários, sendo 85% deles atuando na área operacional, como carteiros e atendentes. Com a privatização, na opinião do dirigente da Fentect, este é o grupo que mais sofre.  

“Com a privatização vai significar a demissão, né. E esse quadro operacional ao longo da vida fazendo os Correios, de certa forma, quando voltar ao mercado de trabalho com toda essa dinâmica e desemprego que está aí, vai ser uma dificuldade grande de se realocar”, destaca a liderança.

Plano de Desestatização 

Diferente da privatização dos Correios, que exige uma proposta legislativa que modifique a Constituição, outras desestatizações têm se efetivado com Guedes pelo chamado “fatiamento” das holdings, que na prática é a venda de subsidiárias sem a necessidade de autorização do Congresso Nacional.

O processo foi autorizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e já amparou, no fim de março, a venda de umas das refinarias da Petrobras na Bahia, a Landulpho Alves (Rlam). 

Somente a Eletrobras tem hoje 31 subsidiárias. A proposta de venda da maior empresa de energia elétrica da América Latona, com 95% do texto encaminhado – segundo o relator do texto, o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) –, deve ser apresentada ainda esta semana no Congresso.

Além dos Correios e da Eletrobras, nomes como a Caixa e a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) também estão incluídas no Plano de Desestatização do governo federal em plena crise econômica e sanitária. De acordo com economistas, o projeto retoma de forma mais aguda a agenda neoliberal conduzida por Michel Temer (MDB), a partir de 2016, e por Fernando Henrique Cardoso (PSDB) nos anos 1990. 

“Se nós deixarmos a economia ser movimentada pelas chamadas livres forças do mercado, nós vamos ter mais concentração de renda, mais subdesenvolvimento, mais heterogeneidade, mais pobreza, menos desenvolvimento tecnológico, porque o setor privado não lidera esse processo”, analisa Paulo Jäger, supervisor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese-RJ).

O economista, que foi um dos autores da Nota Técnica do Dieese sobre a possibilidade de atuação das empresas estatais no pós-pandemia, publicada no último sábado (24),  ressalta que o Brasil segue o caminho inverso ao de países que souberam gerir a crise apoiados em medidas estatais. 

Ele cita como exemplo a transferência de renda para os mais pobres e a proteção a setores estratégicos para a economia, como o energético.

“Nós estamos indo na contramão do que deveríamos, olhando para a nossa própria história e na contramão do que estão fazendo nos outros países do mundo, porque nós estamos nesse momento de crise aguda vendendo empresas estatais a preço aviltado. Essas empresas são instrumentos para a recuperação da atividade econômica e principalmente para a promoção do desenvolvimento”, analisa. 

Outro lado 

O Brasil de Fato entrou em contato com o Ministério da Economia para entender os motivos para as propostas de privatizações de estatais em meio à crise sanitária e econômica, mas não obteve respostas até o fechamento da reportagem. 

Edição: Marina Duarte de Souza