Privatizações

Ao encaminhar venda dos Correios, governo ignora demandas da greve de 2020; relembre

Trabalhadores pararam por 35 dias e enfrentaram cortes em plena pandemia para denunciar desmonte e privatização

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Fentect, que representa os trabalhadores da estatal, alertava durante a greve que o desmonte dos Correios fazia parte de um roteiro que terminaria com a privatização - Marcelo Camargo | Agência Brasil

O Congresso Nacional recebeu das mãos de Jair Bolsonaro, dos ministros Paulo Guedes (Economia) e Fábio Faria (Comunicações), na noite da última quarta-feira (24), um projeto de lei que abre caminho para a privatização dos Correios.

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Por 35 dias, entre agosto e setembro 2020, milhares de trabalhadores da empresa paralisaram as atividades para denunciar à sociedade que essa era a intenção do governo.

Os grevistas enfrentaram a intransigência da empresa, que cortou até o vale-alimentação em plena pandemia de covid-19, e chamaram atenção para o desmonte dos Correios – que vem se agravando desde o início do governo Bolsonaro.

A estatal está na mira desde agosto de 2019, quando foi incluída na carteira do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).

Ao formalizar a entrega do projeto nos Correios sem nenhum diálogo com as federações e sindicatos da categoria, o presidente age em sentido contrário à saída proposta pelos grevistas: manter a empresa sob controle do Estado, preservando direitos adquiridos e garantindo proteção à saúde durante a pandemia.

Relembre

A greve começou em 18 de agosto de 2020, quando cerca de 70 cláusulas trabalhistas foram retiradas pela direção dos Correios, sob a alegação de que certos benefícios extrapolavam a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A medida reduziu benefícios como o adicional noturno e a licença-maternidade. Ambas as restrições foram mantidas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), que determinou o fim da paralisação em setembro.

Ao final, o Tribunal retirou 50 dos 79 direitos anteriormente conquistados pela categoria por meio de Acordo Coletivo de Trabalho (ACT).

 

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Ao longo dos 35 dias de paralisação, a Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect) alertou que o desmonte dos Correios fazia parte de um roteiro que terminaria com a privatização, que só agravaria a perda de direitos dos trabalhadores.

Em nenhuma das tentativas de conciliação, a diretoria dos Correios, alinhada com o governo federal, se mostrou disposta a ceder.

Riscos

Os trabalhadores dos Correios ganham, em média, R$ 1,8 mil por mês. A menor remuneração paga pela empresa caiu para R$ 1.363,00 em 2019, ante R$ 1.647,00 no ano anterior. A queda foi de 17%.

A empresa está presente em mais de 80% dos municípios brasileiros, e a confirmação da venda pode deixar áreas periféricas e de difícil acesso, consideradas menos lucrativas, sem serviço postal.

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Um dos alertas feitos pelos grevistas à época, também ignorado pelo governo, é que o comércio eletrônico brasileiro tem nos Correios a principal plataforma logística para entregas de encomendas com qualidade e preços acessíveis. Uma eventual privatização, além do potencial de causar um apagão logístico no país, tende a encarecer de forma significativa o custo das entregas.

"Se privatizar, o comércio do pequeno e médio vai estar na mão de um monopólio privado, e ele não vai conseguir suportar o custo disso, vai ter que repassar parte do lucro dele ou será engolido [no varejo]", explicou José Rivaldo da Silva, secretário-geral da Fenctect, em entrevista ao Brasil de Fato ao final da greve.

Em 2019, os Correios tiveram receita líquida de R$ 18,356 bilhões, com lucro líquido de R$ 102,121 milhões.

Edição: Rogério Jordão