O teto de gastos – que veta os investimentos públicos acima do estabelecido pela inflação – pode ser usado pelo governo federal como argumento para descumprir a decisão judicial de incluir uma renda básica nacional no orçamento de 2022.
Essa é a avaliação da economista Ana Luíza Matos de Oliveira, doutora em desenvolvimento econômico e coordenadora-geral da Secretaria Executiva da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público (Servir Brasil).
Na última segunda-feira (26), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o governo federal deverá definir uma renda básica mensal nacional a partir de 2022. O valor deve ser definido pela União e pago mensalmente às pessoas em situação de extrema pobreza, ou seja, com renda per capita menor que R$ 178 por mês.
De acordo com Oliveira, dada a interrupção do auxílio emergencial em um futuro próximo – de acordo com a Medida Provisória (MP) 1.039, de 18 de março, serão apenas quatro parcelas –, a decisão do STF é positiva, mas o governo pode alegar que o teto de gastos pode ser um impeditivo.
“É importante lembrarmos que o teto de gastos é uma regra que foi autoimposta pelo Brasil para si mesmo. Ela pode e deve ser mudada. O Brasil precisa conseguir dar resposta a essas vulnerabilidades da população”, avalia. “Se o teto de gastos não permite que se apoie as pessoas mais vulneráveis nesse momento, ele deveria cair”.
“Se temos milhões de pessoas caindo na pobreza e na extrema pobreza e precisando de uma garantia mínima para ter o que comer, e não conseguirmos dar isso para a população, então falhamos enquanto nação”, completa.
Impactos do auxílio emergencial
O fato de o auxílio emergencial de 2021 ser menor que o de 2020 é um problema para o país, avalia a economista. “Estudos estão mostrando que o tamanho do auxílio no ano passado foi importante para o PIB do Brasil não cair tanto quanto poderia", afirma.
Para Oliveira, o auxílio de 2021 é insuficiente para cobrir o aumento da pobreza e da extrema pobreza que o país teve durante a pandemia de covid-19.
Levantamento divulgado no dia 13 de abril pelo Food for Justice – Power, Politics and Food Inequality in a Bieconomy, da Universidade Livre de Berlim, em parceria com pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade de Brasília (UNB), mostrou que 13,6% dos brasileiros com mais de 18 anos passaram ao menos um dia sem refeição, entre os meses de agosto e outubro de 2020.
A pesquisa, feita com 2 mil pessoas entre novembro e dezembro de 2020, mostrou que a insegurança alimentar - que atingia 36,7% das famílias brasileiras em 2018 - chegou a 59,4% dos domicílios. Ainda de acordo com o estudo, 6 em cada 10 residências brasileiras tiveram dificuldade para organizar, ao menos, três refeições diárias.
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Outro estudo, realizado por Ana de Oliveira e outras duas colegas, mostrou o impacto da renda básica no período e como a diminuição do auxílio aumenta o empobrecimento da população, principalmente entre mulheres negras.
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"Governo segue cartilha genocida neoliberal"
Uma Frente Parlamentar foi criada para defender a continuação do pagamento do auxílio emergencial e a criação de uma renda básica nacional.
A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que faz parte da Frente Parlamentar Mista de Renda Básica, diz que a decisão do Supremo é importante, mas que é preciso garantir que o valor do auxílio seja digno e que abranja a população mais pobre, que aumentou com a pandemia.
Sobre o teto de gastos ser usado como justificativa para para travar o benefício, a deputada avalia que “o governo pode cumprir a decisão do Supremo, cortando de outras áreas da assistência, programas como o Bolsa Família ou outros direitos sociais. O orçamento aprovado este ano é prova disso: pela justificativa do teto de gastos, limitam despesas fundamentais”.
Preocupada com vácuo entre o auxílio deste ano, que pode acabar logo, e com a possível renda básica do ano que vem, Bomfim diz que os parlamentares vão seguir nas articulações por uma renda justa.
“Tem dinheiro: basta fazer uma reforma tributária que taxe o andar de cima. Rever a lógica do pagamento da dívida pública. Focar em medidas de geração de emprego, para reverter a crescente que já ultrapassa os 14 milhões. E, claro, fortalecer a luta pelo impeachment, pois o governo Bolsonaro segue a cartilha genocida neoliberal”, finaliza.
Edição: Poliana Dallabrida