Há cinco anos, em 17 de abril de 2006, o Brasil assistia a algumas das cenas mais deprimentes da recente história política do país. Ao declarar seus votos evocando Deus, família, bons costumes e lisura na política, 367 deputados federais autorizaram a abertura do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Outros 146 deputados votaram contra.
Durante a sessão em Brasília, em pleno domingo à tarde sem futebol, com transmissão ao vivo pela TV Globo, deputados prometiam um Brasil livre da corrupção, com desenvolvimento e com empregos para todos.
Alguns episódios desse processo de impedimento da presidenta merecem ser lembrados. Principalmente, para destacar o nível de hipocrisia e as estratégias perpetradas pelos golpistas.
::O golpe de 2016: a porta para o desastre, por Dilma Rousseff::
Sob o olhar complacente das forças políticas que hoje assinam manifesto em defesa do Estado de Direito, um ex-capitão do Exército, deputado Jair Messias Bolsonaro, dedicou seu voto exaltando a figura do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Notório agente da repressão, Ustra torturou Dilma durante a ditadura civil militar. Era o ovo de serpente que começou a ser chocado.
As condições para a depor a presidenta foram arquitetadas de forma conjunta pela elite financeira, parlamentares antipetistas e do centro democrático, além de parte do Judiciário e da mídia corporativa.
As narrativas com versões seletivas de corrupção sem provas ganharam clima difamatório e soavam como sinfonia aos ouvidos de grande parte da classe média. Associar corrupção ao PT era o mote central dessa guerra de informação para conquistar corações e mentes.
Esse esquema, repleto de simbologias, já havia se mostrado eficiente em outra fase da nossa história, quando mentiras levaram o presidente Getúlio Vargas ao suicídio. Mesmo que mais tarde a verdade venha à tona, as reputações já estão destruídas e os resgates delas são quase irreversíveis.
Fatos novos confirmam a extensão do golpe que não precisou de tanques nas ruas, mas de sutilezas jurídicas e simbologias.
O Pato Amarelo da Fiesp indignava-se com a exploração de tributos pelo governo para deleite de parte da classe média. E pedaladas fiscais se transformaram em sinônimo de propina.
Ao processo, acrescentem-se ainda atitudes machistas e misóginas. Primeiro, lançaram a ideia de uma incapacidade intelectual da presidenta. Editaram-se trechos de falas mostrando desconexão do assunto. E quem não se lembra daqueles adesivos colados na entrada dos tanques de combustível dos carros?
Para além do espetáculo de horrores, o golpe de 2016 teve objetivo claro de desmontar o pouco de Estado de Bem-Estar Social construído após muitas lutas do povo brasileiro. O impeachment pavimentou o caminho para a entrega das riquezas nacionais, como o petróleo da camada do Pré-Sal, e retirou direitos dos trabalhadores com reformas econômicas. Além disso, conquistas históricas foram eliminadas.
É emblemático que o ato inaugural do pacote de maldades da gestão Temer tivesse sido a aprovação pelo Congresso Nacional de Emenda Constitucional (EC) 95. Ela congela as verbas orçamentárias da Saúde, Educação e Assistência Social até 2036.
Trata-se de uma medida sem precedentes no mundo. Ignora novos investimentos. Em outras palavras. Por 20 anos não há um centavo para construir novo hospital ou expandir escolas técnicas federais, por exemplo.
Brasil pós-pandemia
Com Temer na presidência, outras medidas antipopulares tomaram conta da agenda e avançaram. Mas havia um grande risco na eleição de 2018. Por isso, o golpe teve seu desfecho com a condenação sem provas do presidente Lula e sua arbitrária prisão.
Ainda no rastro da Operação Lava Jato, com o idolatrado juiz Sérgio Moro no comando, empresas de construção e a indústria naval do Rio de Janeiro foram destruídas. A Lava Jato que prometia varrer a corrupção se tornou o maior escândalo jurídico do Brasil.
A vitória de Bolsonaro também é fruto da omissão de setores hoje ditos democráticos. A sua máquina de mentiras continua a disseminar ódio. Hoje, depois de mais de dois anos de desgoverno, o resultado é catastrófico no campo econômico, social, ambiental e sanitário.
O País quebra recordes de desemprego com mais de 14,3 milhões de pessoas sem trabalho, segundo o IBGE. A carestia voltou a rondar os lares brasileiros. Em agosto do ano passado eram 9 milhões de brasileiros passando fome. Agora, são 27 milhões sem ter o que comer.
O Brasil atingiu mais de 353 mil mortes pela COVID-19, muitas das quais poderiam ser evitadas não fosse o negacionismo do presidente. O País tem o seu quarto ministro da Saúde neste governo e registra mais de 4 mil óbitos diários.
Inauguramos no mundo a possibilidade de compra por empresas privadas de vacinas das empresas farmacêuticas. E o fura-fila ainda não oficializado no Plano Nacional de Imunização porque as farmacêuticas se recusam a negociar se não for com governos centrais. O colapso no sistema de saúde chegou com a falta de leitos, carência de medicamentos para intubação e de oxigênio para salvar os pacientes.
::Artigo | Inconstitucionalidade da compra de vacinas por empresas::
Mas a luta contra as forças reacionárias ganhou alento com a anulação judicial da condenação do presidente Lula e o retorno dos seus direitos políticos. Ainda há tentativas de reverter essa decisão de parte do Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir novamente Lula de concorrer em 2022.
O mundo pós pandemia tem que ser diferente. O retorno do PT ao comando do Brasil significa o resgate do papel do Estado como indutor do desenvolvimento e protetor do cidadão.
Numa sociedade tão desigual, as lutas cotidianas contra a elite perversa que, historicamente, teima em aprofundar o abismo da desigualdade e manter os seus privilégios, têm que ganhar o pulsar das ruas.
No Brasil pós pandemia, a missão será criarmos condições para a recuperação econômica das famílias e reconstruir vidas. Em tempos não tão distantes, a esperança venceu o medo. Agora, a esperança vai vencer o ódio.
* Juliana Cardoso é vereadora (PT), vice-presidente da Comissão de Saúde da Câmara Municipal de São Paulo e integrante da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança
Edição: Vinícius Segalla