O Brasil teve, nesta terça-feira (30), o dia mais letal da pandemia de covid desde o início do surto, em março de 2020. Foram 3.780 mortes notificadas ao Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) em um período de 24 horas.
Os dados estão defasados, já que problemas técnicos impediram que fossem enviados os registros de mortes e os novos casos pelo estado de Roraima. Com isso, o Brasil chega a 317.646 vítimas do vírus e fica a um dia da triste marca de 320 mil mortes.
Esta terça (30) também representou um dia com avanço expressivo de novos casos: foram registrados 84.494 infectados em 24 horas. Desde o início da pandemia, são ao menos 12.658.109.
Tanto o número de casos como o de mortos sofre grande subnotificação. O Brasil é um país que testa pouco, e existem dados que apontam para mortes em excesso que superam em grande número os registros oficiais. Para pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), podem ser mais de 410 mil mortos.
A curva epidemiológica média de mortes, calculada em sete dias, segue em forte crescimento. Morrem no Brasil diariamente, em média, 2.710 pessoas por covid – o maior número já registrado desde março do ano passado.
Adoecem 75.411 brasileiros diariamente, em média, um número que mostra, em patamares muito elevados, relativa estabilidade comparando com a semana anterior.
Fator Bolsonaro
Em reunião do Comitê de Acompanhamento à Covid-19, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Pedro Hallal, reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), reafirmou que a tragédia no Brasil seria evitável. Para o doutor em epidemiologia, ao menos 225 mil mortes têm relação direta com a má condução da crise no país pelo governo de Jair Bolsonaro. “Não existe argumento científico que justifique esses números como aleatórios”, disse.
“A estrutura do SUS nos daria possibilidade de sermos referência mundial no enfrentamento à covid. Dos 300 mil óbitos, 225 mil poderiam ter sido evitados. Já são mais de 12 meses de negacionismo”, completou.
O presidente, desde o início da pandemia, rejeitou a ciência, minimizou a doença, ridicularizou o uso de máscaras, prejudicou o acesso do país às vacinas e segue atuando contra a adoção de medidas de isolamento social. Bolsonaro também lidera tentativas de impedir que governadores e prefeitos implementem medidas restritivas com o objetivo de conter a circulação do vírus.
Aliado do vírus
Em sua mais recente iniciativa neste sentido, o líder do PSL na Câmara dos Deputados, Vitor Hugo (GO) tentou emplacar um projeto que daria poderes ditatoriais ao presidente.
O dispositivo, que foi barrado no Parlamento, previa que Bolsonaro pudesse acionar um estado de Mobilização Nacional durante a pandemia. Na prática, ele poderia retirar o comando das polícias dos governadores e, assim, impedir que os líderes locais adotem medidas de combate à covid-19.
Soma-se à iniciativa as incertezas que rondam a política nacional e a relação do Executivo com as Forças Armadas. Mais cedo, os comandantes de Marinha, Exército e Aeronáutica pediram demissão em protesto contra Bolsonaro.
É a primeira vez na história que os líderes das três forças pedem demissão ao mesmo tempo, salvo exceção em momentos de mudança na chefia do Executivo.
As baixas possuem relação com a demissão do então ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, na última segunda (29). Ao sair, o militar reforçou que não aceitaria o uso político das Forças Armadas, e destacou a defesa da visão legalista do Exército.
O jogo do cansaço
O deputado federal Pompeo de Mattos (PDT-RS) afirma que Bolsonaro “causa cansaço mental. É estado de sítio, estado de mobilização nacional, autogolpe de estado, negacionismo, charlatanismo, sonegação de vacina, aparelhamento estatal. Bolsonaro é um agente do caos e tenta desnortear o povo. Esse é seu projeto”.
Por sua vez, o deputado Alencar Santana (PT-SP) tranquiliza a população e afirma que não passa de mais uma bravata bolsonarista. “Bolsonaro não tem força para dar golpe, mas está enfurecido porque se vê cada vez mais abandonado e acuado no seu autoritarismo fascista”, disse.
Já o deputado Alexandre Padilha (PT-SP) – que tem atuação destacada em temas relacionados à covid-19, já que é médico e ex-ministro da Saúde – classifica as recentes ações de Bolsonaro como “fogos de artifício”.
“Barramos este absurdo no colégio de líderes. Bolsonaro diz não para toda forma de conter a pandemia, inclusive vacinas, mas tenta usar artifícios para atrapalhar a boa atuação de prefeitos e governadores que não negam a ciência.”
Como afirma a especialista em saúde pública da Universidade de São Paulo (USP), Deisy Ventura, “existe intencionalidade nas ações de Bolsonaro”, o que pode configurar sua postura como genocídio.
A fala de Hallal segue no mesmo sentido. “Temos um desempenho 10 vezes pior em relação ao mundo”, disse. O epidemiologista destacou ainda a defesa de Bolsonaro de remédios comprovadamente ineficazes contra a covid-19, como a cloroquina e a ivermectina, além de ter ignorado a necessidade de testes em larga escala e rastreio de contágios. “São fatores que nunca foram priorizados no Brasil”, completou.
Lockdown e vacinação
A necessidade de isolamento mais severo contra a covid pelo Brasil, com adoção de lockdown, é defendida por grande parte dos cientistas, incluindo Hallal e institutos de referência como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). De acordo com o último boletim extraordinário da Fiocruz, o colapso da rede hospitalar em todo o país, aliado ao “rejuvenescimento” da pandemia, faz com que o isolamento seja imperioso.
“O país se encontra em uma situação de colapso do sistema de saúde, ao mesmo tempo que a pandemia vem ganhando novos contornos afetando faixas etárias mais jovens. Diante desse novo cenário, os especialistas defendem a adoção de 2 grupos de medidas interconectados. No 1º grupo, as medidas urgentes, que envolvem a contenção das taxas de transmissão e crescimento de casos através de medidas de bloqueio ou lockdown”, afirma a entidade.
Outra frente de combate da pandemia deveria ser um veloz processo de vacinação. A Fiocruz faz críticas também às dificuldades do país de Bolsonaro em conseguir vacinas. “O ritmo lento em que se encontra a vacinação contribui para prolongar a duração da pandemia e da adoção intermitente de medidas de contenção e mitigação.”
Hallal reforçou a mensagem da Fiocruz diante do CNS. Para ele, um ritmo adequado envolve a aplicação de, no mínimo, 1,5 milhão de doses por dia. Até hoje, no melhor dia, registrado na última semana, foram pouco mais de 700 mil vacinados. “Precisamos de uma aliança nacional e internacional pela disponibilização de doses da vacina. O Brasil é uma ameaça à saúde pública mundial, somos uma fábrica de variantes da covid”, disse o reitor.