Um grupo de invasores deixou na última terça-feira (16) a Terra Indígena (TI) Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, após ser flagrado montando acampamento na linha 648, município de Governador Jorge Teixeira, a aproximadamente 320 quilômetros de Porto Velho.
Um dos últimos redutos de floresta amazônica do estado, a TI é alvo crescente de violações. Desta vez, entretanto, a ação foi interrompida pelos próprios indígenas, que fazem a vigilância nas fronteiras, diante do desmonte dos órgãos de fiscalização promovido pelo governo federal. Os transgressores ainda promovem a disseminação do coronavírus e põem em risco a integridade, principalmente, de grupos isolados que vivem no território.
Segundo o coordenador da vigilância, Awapy Uru-Eu-Wau-Wau, denúncias indicaram que pessoas teriam transposto os limites da reserva. Durante a averiguação, encontraram um homem no meio da mata. “Aqui dentro vimos vestígios de cavalo e picada. A gente estava vendo vestígio novo, de gente entrando. A gente seguiu esse caminho e se deparou com o invasor, e perguntamos o que ele estava fazendo”.
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O homem admitiu que estava preparando a terra por determinação de uma pessoa do município de Ji-Paraná-RO. “Ele falou que um cara chamado ‘Pé de Louro’ estava organizando isso. O mandante disse que a área onde eles estavam acampados era uma reserva seringal que ia ser cortada”, relatou Awapy.
A convite do transgressor, os indígenas foram até o acampamento e se depararam com uma estrutura compatível com a chegada de mais invasores. “Tinha barracas, colchões, tambores, motosserra, fardos e mais fardos de arroz, muita carne de caça, entre outras coisas. Explicamos que a área não tinha nada a ver com o seringal, que eles estavam dentro do nosso território”.
Conforme Awapy, o homem alegou desconhecer que o local ficava no interior da TI e se disse enganado pelo mandante. “O rapaz disse que nós nunca mais íamos ver a cara dele ali, porque eles iam se retirar naquele momento e só estavam ali porque foram enganados. Ele admitiu que estava errado e que nós estávamos certos”.
A Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, que dá suporte aos habitantes da TI Uru-Eu-Wau-Wau, informou que a Funai enviou agentes ao local no dia seguinte, mas ninguém foi encontrado.
“Evidente que a Funai não ia encontrar ninguém, pois tinham que ter ido logo em seguida do acontecimento”, criticou Neidinha Suruí, ativista histórica da região e líder da Kanindé. A reportagem procurou a Coordenação Regional da Funai de Ji-Paraná (RO), mas não obteve resposta.
Falta de fiscalização e ameaças constantes
Com 1,8 milhão de hectares, a Terra Indígena Uru Eu Wau Wau foi demarcada e homologada em 1991 e é lar dos povos Uru Eu Wau Wau, Amondawa, Oro Win e Juma, além de grupos em situação de isolamento voluntário. Rico em recursos hídricos e terra fértil, o território é visado por grileiros, madeireiros e garimpeiros desde antes da demarcação, mas as invasões se intensificaram a partir de 2019.
Supostamente estimulados pelo governo federal, produtores rurais da região se organizaram em associações e usam a desinformação para promover invasões. “Há uma campanha de políticos e de associações de produtores que começaram a surgir agora reproduzindo o discurso do atual governo, de que a terra vai ser diminuída, vai ser revista. Isso é impossível, pois a terra é demarcada e homologada”, explica Neidinha Suruí, da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé.
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A situação é agravada pela fragilização dos órgãos de controle e fiscalização, como o Ibama, o ICMBio e a Funai, estratégia que norteia a “política ambiental” de Jair Bolsonaro (sem partido). “O orçamento [dos órgão de fiscalização] baixíssimo, a falta de pessoal permanente, a falta de barreiras de controle para conter a pandemia são outros fatores que facilitam esses crimes”, denuncia Neidinha.
O abandono estatal e a pressão crescente do agronegócio motivou os indígenas a se responsabilizarem pela fiscalização. Eles não possuem poder de polícia, mas usam tecnologia de ponta - inclusive drones - para detectar violações à integridade da TI e reportar aos órgão especializados.
“Nosso território pega 13 municípios e temos uma equipe pequena para ficar monitorando tudo. Eu venho sofrendo ameaças de morte por tomar a frente dessa proteção. Sou ameaçado há quatro ou cinco anos”, relata Awapy. O coordenador da fiscalização aprendeu, a duras penas, a levar as intimidações a sério. O primo dele, Ari Uru-Eu-Wau-Wau, também integrava o grupo de vigilância e foi encontrado morto aos 33 anos com marcas de espancamento, em abril de 2020.
A expulsão desses invasores não significa tranquilidade: as denúncias são constantes e o trabalho não tem fim. O grupo de monitoramento segue mobilizado para averiguar os alertas, que não param de chegar. “Com certeza tem outras invasões acontecendo, falta descobrir o local. Tem informação de que tem invasão perto de outra aldeia, perto do [município de] Campo Novo. A gente sabe que nesse local sempre tem invasão. Por isso vamos verificar lá”.
Edição: Vinícius Segalla