O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) ingressou, nesta quarta-feira (24), com Ação Civil Pública na Justiça estadual pedindo a extinção da Fundação Renova, responsável por reparar as vítimas do rompimento, em novembro de 2015, da barragem de Fundão, mantida pela Samarco em Mariana (MG).
Os promotores do Ministério Público alegam que a fundação, que é vinculada às empresas Vale e BHP, controladoras da Samarco, não tem demonstrado autonomia e independência, atuando muito mais em prol das empresas responsáveis pelo crime ambiental e humanitário do que em prol das vítimas da tragédia.
Por causa dessa forte ligação, as decisões da fundação, que deveriam ser isentas e voltadas aos interesses dos atingidos, são comandadas pelas duas grandes mineradoras. “É como se fosse autorizado que os acusados no processo penal e nos processos coletivos em geral pudessem decidir e gerir os direitos e as garantias fundamentais das suas próprias vítimas”, anotaram os promotores Gregório Assagra e Valma Leite, do Ministério Público de Minas Gerais.
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R$ 10 bilhões consumidos sem nenhuma reparação
A Fundação Renova já consumiu mais de R$ 10 bilhões e ainda não apresentou ações de reparação dos danos causados pela lama da Samarco no Bacia do rio Doce. Além disso, seus dirigentes recebem altos salários, o que em tese deveria redundar em excelência nos resultados. Mesmo assim, a entidade sempre teve dificuldades de gestão e até mesmo de seguir regras previstas em seu próprio estatuto. É o caso de manter em dia atas de reuniões de seus conselhos para análise e eventual aprovação.
A negligência da mineradora levou ao rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, em 5 de novembro de 2015. A lama formada por rejeitos de mineração matou 19 pessoas, arrasou rios e nascentes, dizimou parte da flora e fauna, destruiu vilas e comunidades. E já no litoral do Espírito Santo, acabou com toda a vida marinha numa área de 40 quilômetros quadrados. Casas, empresas, hotéis, patrimônios públicos e históricos foram destruídos ou seriamente comprometidos.
Extinção
Irregularidades como essas, apontadas em relatório de auditoria nas contas de 2019 da Fundação Renova, já haviam sido denunciadas outras três vezes pelo MPMG. Como não foram adotadas medidas para saná-las, os promotores ingressaram com Ação Civil Pública na Justiça na quarta-feira (24) pedindo a extinção da entidade.
“É inconcebível que uma fundação funcione sem autonomia e independência, que são princípios que devem caracterizar a criação, a existência e o funcionamento de uma Fundação. Era para a fundação funcionar como se fosse uma instituição social, autônoma e independente, sem fins lucrativos, e canal de acesso à justiça na reparação e compensação dos gravíssimos danos sociais e ambientais causados pelo rompimento da Barragem do Fundão”, diz trecho da ação.
Para além dessas irregularidades, a entidade ainda está veiculando diversas propagandas nas mais diversas emissoras de televisão, rádio e sites enaltecendo os “resultados” da reparação dos danos, tendo celebrado contrato com uma agência de publicidade no valor de R$ 17,4 milhões, propagando informações inverídicas.
Situação de perigo
“É urgente a situação de perigo e de risco ao resultado útil do processo em razão da ineficácia dos programas geridos pela entidade, dos desvios de finalidade, como as propagandas enganosas praticadas e outras práticas ilícitas e inconstitucionais”, diz trecho da ação.
A Ação pede também a condenação da Samarco, Vale e BHP à reparação dos danos materiais causados nos ilícitos praticados dentro e por intermédio da fundação. E a condenação por danos morais no valor de R$ 10 bilhões.
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Para os procuradores, faltam resultados, reparação, boa vontade das empresas, empatia e humanidade para com as pessoas atingidas. “Cinco anos depois, as duas maiores empresas de mineração em todo o mundo não conseguiram reconstruir um único distrito”, constatam na ação.
A Renova foi criada em 2018, por meio de um acordo entre entes federativos União, Estado do Espírito Santo e Estado de Minas Gerais firmaram, com as empresas Samarco Mineração S/A, Vale S/A e BHP Billiton Brasil Ltda.
Sua função é executar medidas para a reparação de impactos socioambientais causados pelos mais de 44 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração na bacia do rio Doce. A lama seguiu o curso dos rios Gualaxo do Norte, Carmo, Piranga e Doce. E deixou para trás um rastro de destruição que se tornou o maior crime socioambiental da história do país.
Instrumento das mineradoras
O pedido de extinção confirma denuncias de organizações, movimentos e da própria comunidade. “Reafirma que a fundação sempre foi um instrumento das mineradoras para custear seus próprios interesses, sejam interesses ilegais, como aponta o MP, e também no contexto dos lobbies das mineradoras e outros grupos que pertencem ou prestam serviço a grandes empresas do setor”, disse Thiago Alves, da coordenação estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em Minas Gerais.
De acordo com a liderança, o pagamento de altos salários para os altos cargos já é de conhecimento de todos. Já circula entre os atingidos há anos. “Essa medida veio tarde. O Ministério Público estadual já deveria tê-la tomado há muito tempo. Em 2018, segundo o próprio relatório da Renova, foram gastos R$ 10 milhões por mês apenas para se manter, apenas para existir. Esse gasto exorbitante foi realmente usado para reparação? Quais são os resultados objetivos que a Fundação tem alcançado no contexto da bacia do rio Doce de fato?