Confusão

Escassez de doses e falta de coordenação gera "turismo da vacinação" nos municípios

Prática de se vacinar fora da cidade de origem não é ilegal, porém gera confusão e prejuízos para quem mais precisa

São Paulo |
Fila de carros para a campanha de vacinação na Universidade Estadual do Rio de Janeiro - a falta de um calendário unificado vem prejudicando a imunização da população. - Tânia Rêgo/Agência Brasil

Cidades com doses suficientes para vacinar fisioterapeutas, veterinários e profissionais da educação física de qualquer idade, enquanto outras suspendem a campanha de vacinação por falta de imunizantes até para os mais idosos.

Esse tem sido um dos efeitos da descoordenação do governo federal na distribuição das doses para diferentes regiões do país.

No âmbito municipal, a confusão tem gerado um efeito peculiar: o turismo das vacinas. Um fenômeno em que pessoas têm viajado para se imunizar em cidades em que o calendário está mais avançado.

Uma das pessoas que busca essa possibilidade é uma profissional da área da saúde da cidade de São Paulo, que não quis se identificar.

Ela realiza atendimento psicossocial a pessoas em situação de vulnerabilidade desde o início da pandemia e afirma que até agora não há previsão de vacinação para sua categoria. Por isso, decidiu ir até uma cidade do interior para se imunizar. 

“Eu estou acompanhando o calendário de agendamento dessa cidade próxima ao município de São Paulo. Pensando em como acessar essa vacina, visto que dentro da cidade de São Paulo isso não está previsto tão cedo”, afirmou em entrevista por telefone. 

A profissional conta que se inscreveu em listas remanescentes em unidades de saúde da capital paulista, mas as chances de conseguir se vacinar são pequenas. 

“Hoje a gente consegue se inscrever em uma lista remanescente, caso sobrem doses de vacina em alguma unidade de referência. Mas, de acordo com as profissionais que trabalham nas unidades, as doses em vários momentos não sobram e a lista corre de maneira tão lenta que dizem pra gente que provavelmente seremos chamados pela idade e não pela lista remanescente”, afirma a profissional.

“O que é uma realidade de bastante angústia sendo que quando a gente vislumbra alguma possibilidade de acesso, essa possibilidade é utópica, é uma ilusão”, desabafa.

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Outro exemplo de turismo da vacina foi o que aconteceu em São Gonçalo, no estado do RJ. A cidade passou a receber grande demanda de pessoas de fora, depois que abriu o plano de imunização para fisioterapeutas, veterinários e profissionais da educação física. Na sequência, o município teve que suspender a campanha.

Segundo a lei do SUS,  se a pessoa estiver dentro do grupo prioritário previsto na cidade, a prática não é ilegal, já que as campanhas de vacinação são universais e não discriminam barreira de cidade ou estado.

Porém, a prática gera prejuízos, principalmente àqueles que estão atuando no front da pandemia e que ainda estão longe de ser imunizados.

Para Raquel Stucchi, médica epidemiologista, o problema está relacionado à incompetência do governo em considerar as necessidades específicas de cada região.

“Não faz sentido nesse momento você fazer uma distribuição equitativa por população. Você precisa analisar as camadas de população, dentro do que temos definido de prioridade, para fazer uma distribuição lógica e racional e para não faltar para os outros que são prioridades em outros locais”, afirma a especialista.

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“Não tem mais nada que  justifique esses erros a não ser incompetência, pessoas que ocupam posições para as quais não têm preparo”, critica Stucchi.

Segundo a especialista, num cenário de epidemia, com grande variação dos níveis de contaminação, o planejamento de distribuição de vacinas deveria ser refeito com prazos de tempo mais curtos.

“Para a distribuição da vacina, é preciso que se faça uma análise quase que diária do que está acontecendo. É importante verificar mapa de calor do país, para saber quais as regiões que têm mais urgência em fazer a vacinação”, conclui a epidemiologista.

Confusão no Amazonas

A descoordenação entre prioridades e distribuição de vacinas, que já são escassas no país, ficou explícita no caso recente que aconteceu no Amazonas. O estado, que é um dos mais acometidos pelo coronavírus atualmente - até esta terça-feira (23), já foram registradas 5.288 mortes por covid só neste ano -, recebeu 76 mil doses a menos do que havia sido prometido pelo governo federal.

O lote que o Amazonas recebeu, de 2 mil doses, estava destinado para o Amapá, e houve um erro na hora das entregas. O governo admitiu hoje (25) o equívoco nos envios.

O Brasil de Fato procurou o Ministério da Saúde mas não obteve resposta até a publicação dessa reportagem.
 

Edição: Raquel Setz