Após o fim da greve dos trabalhadores dos Correios, que terminou na última terça-feira (22), o governo federal pretende acelerar a ofensiva pela privatização da estatal.
O ministro das Comunicações, Fábio Faria, chegou a dizer, em uma transmissão na internet, que empresas gigantes do comércio varejista, como a Magazine Luiza, já demonstram interesse pela estatal. Faria ainda citou outras empresas de logística multinacionais, que já atuam no Brasil, como DHL e Fedex, atuais concorrentes dos Correios, na lista de interessadas.
O novo secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord de Faria, em entrevista ao jornal Valor Econômico, também colocou a privatização dos Correios no topo de prioridades do governo Bolsonaro e chegou a dizer que a greve deu impulso à venda por causa da irritação da população com a paralisação do serviço. Um projeto de lei está em elaboração no governo e deve ser apresentado ao Congresso Nacional em breve. A venda de qualquer empresa pública precisa de aval do Legislativo para seguir adiante.
Para os trabalhadores da empresa mais antiga do país, com 357 anos de fundação, a paralisação, que durou mais de um mês, de fato causou transtornos à população, mas foi provocada pela intransigência da direção da empresa, que anunciou cortes significativos na renda dos funcionários, que ganham R$ 1.800, em média, e tiveram redução até no vale-alimentação durante a pandemia.
A ação contra os empregados também praticamente liquidou o acordo coletivo de trabalho, extinguindo direitos com mais de 30 anos de vigência. Na opinião de Douglas Melo, empregado dos Correios e diretor da Federação Interestadual dos Sindicatos dos Trabalhadores dos Correios (Fidect), entidade que representa quase metade da categoria em todo o país, o serviço prestado pela estatal não pode ser absorvido pelo setor privado.
"A população, ela percebeu nessa pandemia que os Correios é uma empresa fundamental e essencial. A greve foi um caos, num sentido, porque a população ficou sem um serviço postal, e isso impactou na economia, muitas empresas deixaram de fazer essas encomendas. E as empresas privadas [de logística] não tem a mesma capilaridade", afirmou. Mesmo em áreas onde as empresas privadas já atuam, o serviço prestado à população de baixa renda é praticamente feito pelos Correios.
"Em São Paulo, a Jadlog, a DHL e a Fedex, e o próprio Mercado Livre, nas regiões periféricas da cidade, pegam uma encomenda, mas respostam pelos Correios. Nem na periferia das grandes cidades essas empresas têm estrutura pra chegar", acrescenta. No Brasil, mais de 90% do serviço de logística e encomenda são concorrenciais, com mais de 100 empresas atuando livremente no mercado.
Os Correios, além de oferecerem um serviço competitivo e mais barato, são a única empresa do país presente em todos os 5.571 municípios, e oferecem serviços que vão muito além da entrega de cartas e correspondências, mas passam pela logística de distribuição e entrega de medicamentos, vacinas, alimentos, doações, documentos e provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
"Se inventasse uma vacina contra a covid-19 hoje, e que tivesse condições de imunizar toda a população, com certeza ela chegaria rapidinho em todo o país, graças aos Correios", afirma José Rivaldo da Silva, secretário-geral da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fenctect), que representa os empregados da estatal na maioria dos estados do país.
Comércio eletrônico
A privatização dos Correios também não é um tema que deve causar preocupação apenas nos trabalhadores, alertam os sindicalistas. O comércio eletrônico brasileiro tem nos Correios a principal plataforma logística para entregas de encomendas com qualidade e preços acessíveis. Uma eventual privatização, além do potencial de causar um apagão logístico no país, tende a encarecer de forma significativa o custo das entregas no país.
"Os pequenos e os médios empresários vão ser os maiores prejudicados. Hoje, grande parte do país foi para a informalidade, a pessoa montou lá uma empresinha, um MEI [microempreendedor individual] pra vender algum tipo de produto, vender o artesanato, e aí ele manda pelos Correios, que é barato. Com o fim dos Correios, ele vai ter que procurar uma empresa privada, que o frete custa 60% mais caro, aí ele vai ter que aumentar o valor do produto dele, e muitas pessoas vão deixar de comprar. Ou seja, você afeta até a economia do país", aponta Douglas Melo.
A atuação dos Correios serve, segundo José Rivaldo, como um balizador de preço desse serviço, inclusive nas grandes cidades. Ele teme que, em um processo de privatização, os Correios sejam entregues, como tende a ocorrer, para uma dessas multinacionais do varejo, que já vendem seus produtos na internet, e passariam a controlar toda a cadeia de distribuição.
"Se privatizar, o comércio do pequeno e médio vai estar na mão de um monopólio privado, e ele não vai conseguir suportar o custo disso, vai ter que repassar parte do lucro dele ou será engolido [no varejo]".
Edição: Rodrigo Durão Coelho