Católicos conservadores estão atacando a edição 2021 da Campanha da Fraternidade Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cujo tema é “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor”.
O texto da cartilha tem contornos progressistas. Ataca a “necropolítica” brasileira, defende os povos indígenas, critica os altos índices de feminicídio e pede que a população LGBTQI seja acolhida.
Um dos recados mais duros, vindo dos conservadores, foi de Dom Fernando Guimarães, Arcebispo do Ordinário Militar do Brasil, em carta pública enviada à Dom Walmor Oliveira de Azevedo, presidente da CNBB.
“A evangelização dos fiéis, no entanto, em qualquer tempo e ainda mais em um tempo especial como é a quaresma católica, não é espaço para se dialogar sobre temas polêmicos e contrários à autêntica doutrina de nossa Igreja.”
Em sua carta, Guimarães comunica ao presidente da CNBB que os capelães militares, subordinados a ele, não utilizarão a cartilha da Campanha da Fraternidade durante o período da quaresma.
“Seguiremos apenas as orientações teológico-litúrgicas próprias do tempo quaresmal e não serão utilizados quaisquer dos materiais produzidos oficialmente.”
Em suas redes sociais, o grupo Apostolado Filhos de Santo Atanásio também atacou a cartilha. “Se a campanha é católica, por que temos de abrir nossa consciência, corações e bolsos para a infiltração dogmática anticatólica?”, perguntam os religiosos, de orientação conservadora dentro da igreja.
Dom Adair José, bispo da Diocese de Formosa, em Goiás, também abriu fogo contra a campanha. “Não fiquemos escutando coisas que não tem nada a ver com a nossa fé. Toda essa confusão com campanha da fraternidade… esquece isso!", postou em suas redes.
"Quem está fora do rumo, quem não segue a Sagrada Escritura, a tradição e o magistério ordinário da Igreja, bate com a cabeça no muro", provocou.
As críticas não ficaram apenas no alto escalão da Igreja. Nas redes sociais, padres também se manifestaram, como Samuel Cavalcante de Araújo, da Arquidiocese de Iguatu, no Paraná. “Católicos, rezem, amem e se receberem esse texto da Campanha da Fraternidade, queimem."
“Quem fala contra, é católico diabólico”
A reação da ala conservadora da Igreja Católica no Brasil fez com que a CNBB soltasse uma nota repudiando as críticas.
“Se nem sempre é fácil cuidar de ambos e de muitos outros aspectos de nossa ação evangelizadora, nem por isso devemos desanimar e romper a comunhão, uma de nossas maiores marcas, um tesouro que o Senhor Jesus nos deixou e do qual não podemos abrir mão. Não desanimemos. Não desistamos. Unamo-nos.”
Mais dura, foi a resposta de Dom Pedro Stringhini, presidente da Regional Sul da CNBB, aos criticos. “Quem está falando contra a Campanha da Fraternidade é católico diabólico, é católico que não gosta dos pobres”, afirmou o bispo.
“O diálogo se faz entre os diferentes. Entre os iguais, não há necessidade de diálogo. É claro que é ideológico, quando fala dos pobres, contra as desigualdades e a favor da ideologia, é ideológico. Assim como é ideológico quem critica”, encerrou.
Uma das figuras mais importantes da Igreja Católica no país, o Cardeal Odilo Scherer também defendeu a cartilha.
“Neste ano, antes que a Quaresma inicie, nós já estamos com uma polêmica em torno do texto-base [da Campanha da Fraternidade]. Essa polêmica está movida por preconceitos e paixão anti-ecumênica; além de acusações infundadas contra a CNBB, é uma polêmica também marcada por polarização ideológica.”
O padre Julio Lancelloti também saiu em defesa da cartilha, em missa realizada no último domingo (14).
“Tem gente falando mal da Campanha da Fraternidade. Nem leu e nem sabe o que é”, afirmou o religioso no inicio da homília.
“Alguém pode ser contra superar as desigualdades? Essa campanha denuncia o femincídio, a homofobia, a LGBTfobia, a transfobia, é uma campanha corajosa. Igrejas cristãs que se unem contra a violência. Não queremos armas, queremos vacina e queremos vida. O povo quer portar o cartão da vacina e não armas.”
Revolta
O motivo de tantas críticas feitas pela ala conservadora da Igreja Católico está na defesa de bandeiras progressistas que a Campanha da Fraternidade traz, além de encampar teses que antagonizam com o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
A cada cinco anos, a Campanha da Fraternidade é produzida de forma ecumênica, com a orientação de líderes de diversas religiões.
Em 2021, participaram a Igreja Católica, através da CNBB; Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil; Sirian Ortodoxa de Antioquia; Igreja Betesda; Aliança de Batistas no Brasil; Igreja Episcopal Anglicana; Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil; Presbiteriana Unida; e o organismo ecumênico Ceesp.
Uma das idealizadoras da cartilha de 2021 é Romi Bencke, pastora luterana que atua na defesa da legalização do aborto. Durante o texto, a Campanha da Fraternidade lamenta, por exemplo, que o país viva uma “necropolítica”
“Na lógica da necropolítica, a humanidade do outro é negada. São estimuladas as políticas de inimizade. A violência praticada pelo Estado é legitimada e justificada. No caso brasileiro, os sinais de necropolítica são perceptíveis em setores de Segurança Pública, que é altamente violenta e repressiva contra pessoas negras e pobres”, explica o texto.
“Da mesma forma, pode-se ver a necropolítica na não regulação dos territórios indígenas.” Em outro trecho, a cartilha lembra que a população LGBTQI+ sofre as “consequências da política estruturada na violência e na criação de inimigos."
A pandemia da covid-19 é uma preocupação que norteia o texto. A Campanha da Fraternidade critica as igrejas que optaram por romper o pacto pelo isolamento social e mantiveram suas sedes abertas ao público.
“Se por um lado, parte das igrejas realizaram pressão política para permanecerem abertas. Por outro lado, outras igrejas assumiram como testemunho de amor o cancelamento de todas as atividades presenciais, como forma de cuidado.”
A cartilha da Campanha da Fraternidade lamenta, ainda, “o retorno do Brasil ao mapa da fome, o desemprego massivo, o aumento de pessoas em situação de rua e a cultura de violência contra as mulheres”.
Edição: Leandro Melito