PROTESTOS

Golpe de Estado? Entenda a crise que pode derrubar o governo no Haiti

Segundo oposição, mandato de Jovenal Moïse terminou e ele tenta se manter no poder

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Presidente nega acusações a diz que irá reformar Constituição em 2021 - Reginald Louissant Jr/AFP

O Haiti vive semanas de protestos nas ruas e agitação política causada pela permanência do presidente Jovenal Moïse no poder. As mobilizações mais recentes ocorreram nesta segunda-feira (15), quando diversas associações de magistrados haitianos convocaram uma greve para denunciar a "ilegitimidade do governo".

"[Estamos] em greve até que o Executivo respeite a Constituição, as leis da República e os convênios internacionais que consagram o princípio de separação de poderes e a independência do Poder Judiciário para evitar o colapso total das conquistas democráticas”, disseram as associações em nota.

A oposição do país, apoiada por setores do Judiciário, acusa o mandatário de tentar manter seu mandato indefinidamente após Moïse não ter realizado de eleições gerais previstas para o ano passado e não ter encerrado sua administração programada para terminar em fevereiro deste ano.

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O presidente, por sua vez, afirma que seu mandato começou em fevereiro de 2017 e só terminará no mesmo mês de 2022. Moïse só foi decretado vencedor das eleições de 2015 em novembro de 2016. Acusações de fraude obrigaram as autoridades eleitorais a adiarem o anúncio do vencedor em um ano e a posse do mandatário só ocorreu em 2017.

A oposição discorda e diz que, enquanto aguardava a certificação de resultados, Moïse governava de fato o país desde o final de 2015 e que, agora, busca distorcer a Constituição para prolongar indevidamente seu mandato.

As posições de Moïse colocaram setores do Judiciário do país contra o governo e próximos da oposição, levando Joseph Mécene, um juiz de 72 anos, a se autonomear mandatário interino do país com respaldo de partidos e movimentos populares.

O presidente alegou um golpe de Estado e chegou a prender 23 pessoas que supostamente estariam ligadas a esse movimento, uma "intentona para assassinar o chefe de Estado", segundo versão do governo.

"Os oligarcas corruptos acostumados a controlar presidentes, ministros, Parlamento e Poder Judiciário pensam que podem tomar a presidência, mas só existe um caminho: eleições", disse Moïse em entrevista recente ao jornal espanhol El Pais.

Ausência de Congresso e Referendo

Outras duas decisões de Moïse colaboram para as denúncias feitas pela oposição. Em janeiro de 2020, os mandatos dos deputados e senadores do Haiti expiraram e o Congresso do país foi dissolvido. O presidente não convocou eleições pra o período e chegou a nomear, nesse intervalo, um novo primeiro-ministro que não passou pela aprovação do Legislativo como prevê a Constituição.

Além disso, o presidente assumiu um novo projeto para o ano de 2021 que é a convocação de um referendo constitucional para alterar a Carta Magna do país. Apesar de a atual Constituição do Haiti proibir a realização de consultas populares para propor emendas, o Conselho Eleitoral Provisório (CEP), cujos membros foram indicados por Moïse, anunciou a realização do referendo em abril.

O presidente e o órgão eleitoral ainda agendaram para este ano eleições presidenciais e legislativas, que seriam realizadas em 19 de setembro.

Para a oposição, essas medidas de Moïse reforçam as suspeitas de que o mandatário quer prolongar seu mandato e se manter no poder.

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Quem é Jovenel Moise?

Membro do partido neoliberal Tèt Kale (PHTK), Moïse tem 52 anos e é empresário. Chegou ao poder em novembro de 2016 em meio a acusações de fraude e após eleições com apenas 21% de participação.

Um dos pontos mais marcantes da rejeição da população haitiana a seu governo são os escândalos de corrupção, que geraram protestos massivos em 2019.

Moïse foi acusado pelo Tribunal Superior de Contas do Haiti de ter embolsado milhões de dólares através da empresa Agritrans, de sua propriedade, para desenvolver projetos públicos que nunca se materializaram como parte da ajuda enviada pela Venezuela no programa regional conhecido como Petrocaribe.

Além disso, em 2018, o país sofreu com uma crise de combustível que gerou enormes protestos contra a gestão de Moïse e suas políticas econômicas.