“Totalmente curado” da covid-19, segundo ele mesmo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou na última sexta-feira (29) da quinta reunião do Grupo de Puebla, fórum político e acadêmico ibero-americano, fundado em 2019, que conta com a participação de 49 líderes políticos progressistas de 15 países. Intitulado “América Latina Mudou”, o painel debateu a elaboração de um manifesto progressista, no atual contexto de crise mundial e pandemia de covid-19. “Precisamos [os países da América Latina] virar protagonistas internacionais”, disse Lula.
Ele lamentou que as Nações Unidas (ONU) não tenham convocado uma assembleia extraordinária para discutir a pandemia no mundo e ações que pudessem minimizar os efeitos dramáticos da doença para os países mais pobres. Defendeu que o Grupo de Puebla deve “estar mais presente” nas discussões. “A América Latina precisa definitivamente encontrar o seu caminho. Nós não podemos ficar entre a grandeza americana e a chinesa, na nossa pequenez. Temos que ter independência.”
O ex-presidente lamentou ainda que a região tenha, politicamente, se desviado do caminho progressista construído no período a partir do início dos anos 2000, quando vários países eram governados pela esquerda. Ele lembrou o Brasil, presidido por ele e Dilma; a Argentina, por Néstor e Cristina Kirchner; Equador, por Rafael Correa; e Venezuela, por Hugo Chávez.
“Era um momento em que os países caminhavam para um progressismo que parecia que ia transformar a América Latina numa parte do mundo mais fortalecida. Quase conseguimos isso”, disse. “Não conheço outro momento em que a América Latina esteve tão coesa e avançando nas políticas sociais”, disse.
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Estados Unidos com Biden
Lula comentou a eleição do democrata Joe Biden e o papel dos Estados Unidos no mundo. “Biden fala de tudo que qualquer um de nós falaria. Vamos ver como funciona. Obama fez belos discursos e pouca coisa andou”, criticou. Ele destacou que, durante o período em que governou o país, teve uma experiência de “boa relação” com os americanos. No entanto, ressalvou que chegou à conclusão de que os norte-americanos não querem, “e não vão permitir”, que os latinos sejam protagonistas no mundo, geopoliticamente. “Eles não aceitam que tenha outro protagonista. Não querem que a China se espraie na América Latina. Daí toda a operação do golpe contra a Dilma.”
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O petista disse que, nesse contexto, a operação Lava Jato está sob influência do Departamento de Justiça (Doj) dos Estados Unidos. Ele criticou o documento em elaboração pelo Grupo de Puebla, por, segundo ele, não incluir Cuba e Venezuela entre os países “amigos”. “Guaidó é um impostor. O Grupo de Puebla precisa definir quem são amigos, aliados e inimigos.”
Neoliberalismo e vacinas
Em sua participação, a ex-presidenta Dilma Rousseff defendeu que o manifesto em construção pelo fórum sinalize com mais ênfase que “o neoliberalismo é responsável pela forma não equânime (da distribuição de riquezas), afetando pobres, negros, mulheres e indígenas”. Um exemplo atual, apontou, é a questão das vacinas durante a pandemia de coronavírus. Ela criticou o comportamento das grandes corporações e do direcionamento das vacinas aos países ricos, sob interesses capitalistas, fazendo com que os imunizantes “deixem de ser um bem público”.
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A ex-presidenta criticou ainda a alusão aos golpes desencadeados contra ela mesma (2016) e contra o paraguaio Fernando Lugo (2012) como “golpes brandos”. “O fato do golpe não ser com tanque nas ruas não significa brandura nenhuma”, afirmou. Segundo ela, tais movimentos que derrubaram governos progressistas fazem parte do que se convencionou chamar de “guerra híbrida”, estratégia contemporânea que mistura táticas convencionais, guerra cibernética, influência digital, diplomacia e o sistema judiciário.
Ela citou o conceito de lawfare, usado contra seu governo, e contra Lula, pela Lava Jato. Na definição do advogado Cristiano Zanin Martins, lawfare, que vem do inglês, significa o uso indevido dos meios judiciais “para fins de perseguição política”. Segundo Zanin, num contexto como esse, a lei é utilizada como uma “arma de guerra”, com o objetivo de destruir o inimigo, tal como feito pela força tarefa de Curitiba, comandada pelo ex-juiz Sergio Moro.