Nos últimos dias, os Estados Unidos passaram, mais uma vez, por um furacão chamado Donald Trump. Utilizando discursos públicos e redes sociais, o quase ex-presidente do país norte-americano inflamou seus apoiadores a invadirem o Capitólio, a sede do Congresso estadunidense, em uma ação que culminou em 5 mortes.
Como medida emergencial para conter o avanço da violência de extrema direita, as redes sociais Facebook, Instagram, Twitter e Reddit bloquearam as contas oficiais vinculadas a Trump. Em uma primeira vista, essa parece ter sido uma decisão benéfica à democracia. Porém, será que é mesmo?
De alguns anos para cá, cresceram as pressões sobre as grandes empresas que administram redes sociais e outros serviços de internet. Isso se deve ao apontamento de que a atual situação da rede mundial é uma das principais responsáveis pelo avanço do extremismo de direita. Em vários cantos do mundo, governos, percebendo isso, estão tomando decisões para que consigam lidar com os problemas gerados pelas redes sociais.
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Medidas de controle sobre os dados dos usuários e contra o monopólio exercido por essas corporações vêm sendo tomados, porém, um campo ainda não teve um avanço concreto do Estado: o de responsabilização sobre o discurso de ódio promovido por meio das redes.
Em um primeiro momento, todos comemoramos quando Jack Dorsey e Mark Zuckerberg, líderes do Twitter e do Facebook, respectivamente, anunciaram o banimento de Donald Trump, mas precisamos perceber que essas ações são facas apontadas contra nós mesmos.
Quem deveria se responsabilizar pela regulação dos discursos nas mídias é o Estado, por meio de seus poderes executivos, legislativos e judiciários. Ao tomarem tal papel e assumirem a postura de acusação, júri e executor de uma pena imposta a Donald Trump, as corporações multibilionárias, que estão entre as que mais lucraram em meio à pandemia, enfraquecem o Estado e fortalecem a sua legitimidade.
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Essa legitimidade das empresas é observável ao notarmos o quão apoiadas elas foram por setores que, cansados do discurso de ódio promovido pela extrema direita, comemoraram o banimento de Trump de todas as principais redes sociais do mundo. Essa legitimação tira o poder do Estado e do povo e o entrega às megacorporações. Emulando uma frase muito presente em obras de temática cyberpunk, esse discurso pode ser resumido em: “todo o poder às corporações”.
O argumento vigente para boa parte das pessoas que defenderam o banimento de Donald Trump é de que as redes sociais são empresas privadas e, portanto, podem fazer e atender ao que quiserem. Essa defesa faz parte de um discurso que é o auge do neoliberalismo, chegando até a se aproximar do neofeudalismo (ou anarcocapitalismo), aos quais precisamos combater diariamente.
Trump precisava, sim, ser calado, mas por medidas judiciais e legislativas que partissem do Estado e notificassem as redes sociais de que seus perfis deveriam ser banidos. Precisamos avançar na pressão popular para que essas corporações recebam regulamentação dos órgãos sobre controle popular, afinal, o poder não deve ser dela. Dessa vez, emulando obras mais esperançosas, a decisão sobre o banimento desses perfis deve ser resumida na frase: “todo poder ao povo”.
É inadmissível que apenas duas pessoas, amparadas apenas por seu poder econômico, possam tomar uma decisão unilateral que deveria ser do Estado. Em boa parte, isso não ocorre porque nossa estrutura estatal está controlada pelo poder econômico dessas empresas e, por isso, se omite em trazê-lo para si. Diante dessa realidade, torna-se ainda mais urgente a pressão popular para que sejam criadas legislações específicas que regulem o funcionamento dessas redes e reduzam o seu poder.
*Rafael da Guia é militante da Consulta Popular e desenvolvedor e analista de dados do Projeto de Articulação de Redes
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Geisa Marques