Pandemia

Guarda-vidas é afastado após denunciar precariedade na pandemia; praias estão lotadas

Emílio Freire criticou infraestrutura, forma de contratação e condições sanitárias no litoral catarinense

Brasil de Fato | Florianópolis (SC) |

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Balneário Camboriú, litoral norte de Santa Catarina, é uma das praias que mais registra aglomeração em meio à pandemia - Reprodução / Twitter

Guarda-vidas que atuam no litoral de Santa Catarina estão mobilizados para tentar reverter o afastamento do colega Emílio Freire pelo Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina (CBMSC), em dezembro.

Em uma petição on-line com quase 700 assinaturas, eles alegam que o guarda-vidas de Florianópolis (SC) foi acusado sem provas de divulgar materiais à imprensa para prejudicar a imagem da instituição.

Com menos restrições sanitárias que outros estados, Santa Catarina vem registrando aglomerações em vários pontos do litoral há pelo menos um mês.

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A justificativa oficial usada para o afastamento foi um vídeo gravado por guarda-vidas da praia dos Ingleses, em Florianópolis, que escancara a falta de estrutura adequada para a tarefa.

Sem quadriciclo disponível, a imagem mostra um guarda-vidas usando sua própria motocicleta para realizar um salvamento a 800 metros de distância.

“Eles filmaram e mandaram em um grupo [no Whastapp] com cerca de 250 pessoas, onde a gente compartilha experiências entre os guarda-vidas”, relata Freire. “Esse vídeo foi ao ar por cerca de seis horas. Eu não sei quem gravou, mas entrei em contato com o jornalista que publicou e ele tirou na hora", relata.

O guarda-vidas dispensado afirma que colegas foram pressionados, ameaçados de exclusão, e acabaram informando seu nome à corporação, sem provas. “É um processo absurdo. Não mostra quem me acusou, como foi que aconteceu, e claramente é uma forma de esconder a precariedade.”

Emílio Freire recebeu um processo administrativo no dia 3 de dezembro. Na mesma semana, ele havia participado de um protesto por melhores condições de trabalho e concedeu uma entrevista ao Brasil de Fato.

“Grande parte dos guarda-vidas entraram em outubro na praia, mas não foi garantido EPI [equipamento de proteção individual]. A autoridade competente nos informou que não havia máscaras para todos. Pelo protocolo da OMS [Organização Mundial da Saúde], quando está úmido, precisaríamos de pelo menos quatro máscaras para o turno de 12 horas”, afirmou em reportagem que foi ao ar no dia 1º de dezembro.

Na mesma matéria, ele criticou o álcool em gel fornecido pelo CBMSC – a embalagem alerta para danos no contato com a pele.


Embalagem de álcool distribuída a guarda-vidas alerta para danos no contato à pele / Arquivo pessoal

Para o guarda-vidas catarinense, o afastamento foi uma tentativa de retaliação por sua postura crítica.

 “Já não tenho tanta vontade de voltar para a praia nessas condições, nessa loucura da covid”, admite Freire. “Mas é muito importante a minha volta, por um motivo simbólico: para mostrar que não se pode simplesmente excluir quem levanta a voz para mostrar as precariedades.”

A ficha de apuração de conduta enviada pelo CBMSC a Freire afirma que o vídeo na praia dos Ingleses está “fora de contexto” e foi gravado e divulgado “na tentativa de prejudicar os colegas que estavam de serviço, assim como de denegrir [sic] a instituição.”

Em sua defesa, Freire negou todas as acusações, mas o afastamento foi confirmado três dias depois. Em resposta à Associação de Salvamento Aquático da Ilha de Santa Catarina, o CBMSC negou a hipótese de retaliação.

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“A situação específica envolvendo a exclusão do Guarda-Vida Civil Emílio não tem relação com sua participação em qualquer manifestação. Emílio foi excluído após instauração de processo administrativo, o qual teve o direito ao contraditório e a ampla defesa, em razão de ter divulgado imagens à imprensa de um atendimento gerando transtornos para a Corporação em virtude da reportagem veiculada nos canais de comunicação”.

O Brasil de Fato entrou em contato com o CBMSC para obter mais informações, mas não houve retorno até o fechamento desta matéria.

Histórico

A petição on-line divulgada pelos guarda-vidas ressalta o histórico de serviços prestados por Emílio Freire. Foi o primeiro processo administrativo recebido por ele, que atua desde os 18 anos como voluntário no projeto Golfinho – programa de educação de crianças sobre meio ambiente e segurança nas praias.

Ao contrário do que ocorre em estados como o Rio Grande do Sul, por exemplo, os guarda-vidas de Santa Catarina não recebem adicional de insalubridade, não são pagos durante os cursos de formação, e são obrigados a pagar por uniformes e instrumentos de trabalho.

Duas das principais críticas trazidas por Freire na primeira entrevista ao Brasil de Fato foram acolhidas pelo CBMSC após seu afastamento: a mudança nas regras do seguro em caso de contágio por covid-19 – nove meses após o início da pandemia – e o reajuste do valor das diárias de R$ 150 para R$ 180.

“Foi uma forma de anestesiar os movimentos. Ainda assim, não se garante nenhum direito trabalhista”, afirma o guarda-vidas afastado.

Com a terceira faixa litorânea mais extensa do país, Santa Catarina contabiliza até o momento 507 mil infectados e 5,5 mil mortos por coronavírus.

Edição: Leandro Melito