A perda de renda das famílias brasileiras e o agravamento da fome devem fortalecer a luta por reforma agrária no ano que vem. Essa é a avaliação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), que lançou em dezembro seu Caderno de Formação nº 53, intitulado “A luta de classes no campo e a luta por reforma agrária popular”.
“Não é uma questão de escolha. É uma questão de necessidade”, ressalta Kelli Mafort, que integra a direção nacional do movimento. “Com o fim do auxílio emergencial, os índices ligados à extrema pobreza devem aumentar, com a falta de perspectiva de trabalho e renda, e a reforma agrária virá com muita força no ano de 2021”, prevê a liderança.
O MST reconhece que a pandemia continua sendo um limitador para a organização popular, uma vez que impede as aglomerações e impõe a necessidade de distanciamento social. Em 2020, as ocupações de terras pelo movimento foram interrompidas para não expor os camponeses ao coronavírus.
“Para nós, a prioridade é salvar vidas, aquelas que estão sendo desprezadas pelo governo brasileiro em uma campanha negacionista, antivacina”, reforça Mafort. “Estaremos junto com os movimentos na rua assim que a vacina [da covid-19] nos assegurar essa possibilidade”, completa.
Balanço de 2020
O MST participou de duas disputas frontais com o agronegócio que tiveram repercussão nacional em 2020.
A primeira foi em meados de agosto, quando ocorreu o despejo violento de duas áreas do acampamento Quilombo Campo Grande, em Campo do Meio (MG), onde viviam sete famílias. A região é ocupada há mais de 20 anos por 450 famílias camponesas, que se notabilizaram pela produção do Café Guaií, um dos carros-chefes da produção agroecológica do MST.
O principal beneficiário do despejo foi João Faria da Silva, dono da marca Terra Forte e um dos maiores exportadores de café do mundo.
“Essa disputa tem uma simbologia interessante, porque são duas produções de café com relações sociais completamente distintas”, analisa Mafort. “Por um lado, trabalho análogo à escravidão, expropriação de terras, de direitos. Por outro, o Café Guaií, que representa a agroecologia, que brota de uma luta pela divisão de terras, contra o machismo”.
O MST considera que o governador Romeu Zema (Novo), que autorizou o uso da força contra o acampamento, representa os mesmos interesses de Bolsonaro, e que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais foi subserviente ao projeto do agronegócio ao autorizar o despejo em plena pandemia.
O segundo episódio de grande repercussão foi protagonizado pelo secretário de Assuntos Fundiários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Nabhan Garcia, ex-presidente da UDR. A Força Nacional foi enviada a assentamentos do MST no Sul da Bahia sem a autorização do governador Rui Costa (PT), e voltou sem cumprir seu objetivo após questionamento do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Na prática, o que eles tentam é dividir e cooptar as famílias”, avalia Mafort. “Dessas duas ações, ficou a lição de muita resistência e organização da nossa base e de muita mobilização da sociedade brasileira, com forte apoio internacional nos dois episódios”.
Solidariedade ativa
Mais que qualquer embate, o ano de 2020 ficará marcado pela solidariedade. O MST doou quase 4 mil toneladas de alimentos da agricultura familiar para famílias em situação de vulnerabilidade social. Só no Paraná, por exemplo, foram 442 toneladas de alimentos doados, oriundos da produção de 52 acampamentos e 121 assentamentos da reforma agrária.
“A solidariedade se impôs como uma necessidade, e os movimentos populares foram os primeiros a perceber isso, antes do Estado ou de qualquer empresa”, lembra a dirigente do MST. “Nosso alimento encontrou panelas vazias, em uma situação desesperadora.”
“Com a campanha Periferia Viva, fizemos uma solidariedade ativa, orgânica, ‘provocando’ as pessoas que recebem o alimento a também se organizar e se mobilizar”, completa Mafort.
Para ontem
O Plano Emergencial da Reforma Agrária Popular, lançado pelo MST em junho, estabelece como medida urgente, por exemplo, a expropriação de terras de sonegadores fiscais para assentamento de famílias camponesas. O documento também propõe o uso de terras próximas a centros urbanos, em parceria com municípios, para produção de alimentos, garantindo terra, trabalho, teto e alimentos saudáveis para famílias empobrecidas e criando um “cinturão verde” em torno das cidades.
Em 9 de dezembro, o MST protocolou uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no STF questionando a paralisação dos 413 processos de desapropriação e aquisição de terras para reforma agrária ao início do governo Bolsonaro e pedindo a destinação de terras públicas para a reforma agrária, como previsto na Constituição.
“O ano de 2021 vai ser muito difícil, do ponto de vista dos embates que teremos. E, com certeza, a sociedade brasileira poderá contar com o MST, seja nas ações de solidariedade – que não pararam por nenhum dia e vão continuar –, seja nos trabalhos de base, organizando o povo para lutar e derrotar esse projeto de morte”, finaliza Mafort.
Edição: Mauro Ramos