Os desafios para os moradores da ilha do Marajó, no Pará, são muitos e com a pandemia isso se agravou ainda mais. Preocupados, sobretudo, com mulheres em idade reprodutiva nasce o projeto "Saúde das Manas", que levará atendimento de ginecologia e obstetrícia, por telemedicina, a mais de 80 mil mulheres residentes nos municípios de Santa Cruz do Arari, Afuá, Anajás, Bagre, Breves, Melgaço e Salvaterra.
A iniciativa é fruto de uma parceria do Fundo de Populações das Nações Unidas (UNFPA) com o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Pará (Cosems/PA). Além do atendimento virtual, as mulheres receberão kits, chamados "Dignidade", contendo material de higiene pessoal e também contracepctivos.
Segundo dados do projeto, até o momento foram entregues 600 kits. Letícia Souza Melo, de 21 anos, foi uma das pessoas que recebeu os insumos. Ela está grávida do terceiro filho e mora de Santa Cruz do Arari.
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A cidade tem pouco mais de 10 mil habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2016, o município estava na 102ª posição, entre 144 cidades paraenses, no que diz respeito a taxa de mortalidade infantil. Em 2017 – último dado disponível no IBGE – saltou para 25ª posição com mais de 22 óbitos a cada criança nascida.
A falta de um pré-natal adequado ou até mesmo o acesso a métodos contraceptivos são rotina na vida das mulheres e homens dos municípios.
A Unidade Mista de Saúde da cidade, onde a sala de telemedicina será instalada, conta, atualmente, com um clínico geral para atender toda a população. Ele trabalha 10 dias por mês. No entanto, se o morador da cidade precisar de uma consulta com um médico especialista, ele precisa ser encaminhado para a capital do Pará, Belém.
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Com a instalação da sala, as mulheres que necessitam de um ginecologista ou obstetra não precisarão mais se deslocar até a capital.
Quatro filhos sem pré-natal
Tânia Cabral tem 26 anos, três filhos, e mora na zona rural de Santa Cruz do Arari. Ela teve filho pela primeira vez aos 14 anos e agora está, novamente, grávida.
Por não ter feito o pré-natal, ela não sabe se está ou não esperando gêmeos e conta que em nenhuma das suas gestações contou com atendimento médico.
"É muito difícil, porque a pessoa precisa ter moto ou carro para vir. Como eu não tenho nenhum dos dois fica bem complicado. No inverno é fácil por causa da embarcação, mas no verão é moto ou carro e eu não fiz pré-natal. Por isso, vou ter que viajar, porque ficou uma gravidez bem delicada, porque é meu quarto bebê e como eu não fiz ultrassom fica difícil saber quantos bebês eu tenho, provavelmente eu tenho dois bebês na barriga", afirma.
Atualmente, quem faz o atendimento de pré-natal das mulheres em Santa Cruz do Arari são os enfermeiros e enfermeiras da unidade de saúde.
A importância de proteger as mulheres mais vulneráveis
A oficial de Programa para Segurança de Insumos em Saúde Sexual e Reprodutiva do Fundo de Populações das Nações Unidas, Nair Souza, explica que ele está presente no Brasil desde a década de 70 e que tem enfatizado o atendimento de mulheres e adolescentes neste período de pandemia da covid-19.
"Para além dos prejuízos relacionados a mulheres como a questão da gravidez indesejada, também podem haver grandes impactos na questão do pré-natal, o que pode ocasionar o aumento da mortalidade materna e é isso que motiva o UNFPA a apoiar o Cosems/PA. Os serviços de saúde reprodutiva têm que ser mantidos, os insumos têm que chegar às destinatárias e as mais vulneráveis têm que ser protegidas e apoiadas", reforça Souza.
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O projeto entregará ainda material informativo direcionado para as mulheres da Ilha do Marajó e conteúdos radiofônicos em rádios comunitárias, redes sociais e grupos de trocas de mensagens dos municípios envolvidos na ação.
No total, foram investidos cerca de R$ 1,6 milhão. Parte do dinheiro foi empregado na compra de equipamentos de TV, notebooks e acessórios para a montagem das salas de telemedicina nos municípios. Também foram compradas bicicletas e tablets para ajudar no trabalho dos agentes comunitários de saúde e coordenadores da atenção básica, que irão atuar no projeto.
A esses profissionais também foram entregues luvas, máscaras e outros Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para proteção contra o novo coronavírus.
Em contrapartida, o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Pará (Cosems/PA), contratou duas médicas e assegurou a contratação do serviço de internet banda larga para realizar as teleconsultas.
Edição: Rogério Jordão