Três das quatro empresas que mais detêm registros de agrotóxicos liberados pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido) em 2020, Rainbow Defensivos Agrícolas Ltda., Adama S.A. e Ouro Fino Química S.A., têm vínculos diretos com a China. Elas são titulares dos registros de 65 dos 470 agrotóxicos autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) este ano.
Em alinhamento com Donald Trump, presidente dos EUA derrotado nas eleições 2020, Bolsonaro e sua família mantêm um discurso de ataques à China, especialmente nas redes sociais.
“Não compraremos vacina chinesa [contra covid-19]”, disse o presidente em outubro, em referência à CoronaVac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. No caso dos venenos, o “crivo ideológico” parece menos rigoroso.
“Esse debate todo é uma cortina de fumaça. O governo Bolsonaro não quer gastar com vacina. É uma opção fiscal do Paulo Guedes [ministro da Economia] e do Bolsonaro”, analisa o geógrafo Marcos Antonio Pedlowski, professor associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF).
“Os chineses são muito eficientes e têm produtos em quantidade avassaladora. O Brasil não tem como ‘se livrar’ da China, porque a dependência é muito grande”, acrescenta o pesquisador, ressaltando que a maioria dos estados brasileiros têm a China como maior parceiro comercial. “E o neoliberalismo do Guedes, que não coloca nenhum limite, habilita a China a fazer o que bem entende.”
Nortox
A empresa que detém mais registros de agrotóxicos liberados no Brasil em 2020, Nortox S.A., é a única das quatro primeiras da lista sem escritórios ou sócios do país asiático. Por outro lado, dos 28 agrotóxicos autorizados este ano em nome da Nortox, 18 têm a China como fabricante primário.
Com sede em Arapongas (PR), a empresa tem buscado aproximar os vínculos com o gigante da Ásia. Em junho de 2018, seis representantes da Nortox estiveram em Pequim e Xangai para reuniões na Academia de Ciências da China e na Embaixada Brasileira na China, além de visitas a uma fábrica de defensivos agrícolas, uma esmagadora de soja e uma fazenda local.
Rainbow
A Rainbow Defensivos Agrícolas Ltda. é titular do registro de 23 agrotóxicos autorizados no Brasil em 2020. Com sede em Porto Alegre (RS), ela é a subsidiária brasileira da Rainbow Chemical, fundada em Jinan, capital da província de Shandong, em 2005.
A empresa tem três sócios: duas pessoas jurídicas sediadas na China – Shandong Rainbow Agrosciences Co. e Shandong Weifang Rainbow Chemical Co. – e uma pessoa física, o chinês Zhiping Zhou.
Das quatro pessoas jurídicas com maior número de agrotóxicos liberados no Brasil este ano, a Rainbow Defensivos Agrícolas Ltda. é a única que não atua como fabricante no Brasil – ela apenas importa e revende os produtos no país, no atacado e no varejo. Em todos os 23 registros em nome da empresa em 2020, empresas chinesas aparecem como fabricante primário.
A Rainbow é a 11ª maior empresa agroquímica do mundo, com presença em mais de 60 países.
Adama
Titular de 23 registros de agrotóxicos liberados pelo governo Bolsonaro em 2020, a Adama Brasil S.A. tem sede em Londrina (PR) e é subsidiária do grupo israelense Adama, que pertence à companhia estatal chinesa ChemChina desde 2014.
Em 2016, a ChemChina adquiriu outra gigante do setor: a multinacional suíça Syngenta.
Treze dos 23 agrotóxicos registrados em nome da Adama Brasil S.A. este ano possuem componentes fabricados na China.
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Ouro Fino
A quarta colocada na lista é a Ouro Fino Química S.A., com sede em Uberaba (MG). Dos 19 agrotóxicos registrados em nome da empresa em 2020, 16 têm empresas chinesas como fabricante primário.
Em 2012, a Ouro Fino abriu um escritório em Xangai, na China, de onde vêm mais de 75% das importações da empresa. O evento reuniu mais de 40 empresários chineses e autoridades dos governos dos dois países.
Preponderância pode ser ainda maior
Entre as demais empresas titulares de registros de agrotóxicos liberados por Bolsonaro em 2020 estão Biorisk Ltda. e Cropchem Ltda., ambas com 15; Allierbrasil Agro Ltda., com 12; Iharabras S.A., com nove; Syngenta, com nove; Agrivalle, com oito; BRA Defensivos e BASF, com sete; Rotam, com seis; Syncrom, com cinco; além das subsidiárias da Dow Agrosciences e da Du Pont no Brasil, com quatro.
Marcos Pedlowski, que sistematiza desde o início do governo Bolsonaro as autorizações de agrotóxicos, chama atenção para o número relativamente baixo de produtos fabricados por gigantes da indústria química europeia e estadunidense.
“Empresas como a [alemã] BASF estão ‘deixando’ os chineses tomarem conta do mercado de agrotóxicos para preservar sua imagem corporativa. Porque há outras áreas nesse setor em que podem ganhar dinheiro sem 'sujar' tanto a sua imagem”, afirma.
Líder mundial em produção de agrotóxicos, a China pode ter, na prática, uma predominância ainda maior no mercado brasileiro do que sugerem os números. O professor da UENF lembra que países como Suíça e Israel aparecem entre os dez maiores fabricantes primários de agrotóxicos liberados no Brasil.
“Em geral, são da Syngenta [Suíça] e da Adama [Israel], já sob controle chinês”, finaliza.
Edição: Rodrigo Chagas