São Paulo

“Violência gera violência", diz Júlio Lancellotti sobre arrastão na Cracolândia

Usuários foram reprimidos pela GCM no centro de SP antes do ataque; padre questiona ausência da PM para conter ação

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Arrastão aconteceu nesta terça-feira (8) após ação de varrição da Prefeitura de São Paulo na região - Foto: Reprodução/Internet

As imagens do arrastão feito por dependentes químicos na região da Cracolândia, no centro de São Paulo, nesta terça-feira (8), circulam amplamente nas redes sociais e têm sido usadas por porta-vozes da direita e por parcela da população para defender ações de violência e internação compulsória dos usuários de drogas.

Os vídeos gravados por moradores da região registram a quebra de vidros e saques a motoristas que, naquele momento, estavam parados no trânsito na alameda Nothmann e na rua Helvétia. O arrastão aconteceu após ação de limpeza da Prefeitura de São Paulo na região. 

Em entrevista ao Brasil de Fato, o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua, afirma que o ataque é uma expressão da truculência recorrente contra os dependentes químicos por parte do poder público.

“É uma violência que gera violência, sem dúvida. A pessoa que é atacada, ataca também. A imprensa está mostrando só a última coisa que aconteceu. Não dá pra entender o que aconteceu só lendo o último capítulo do livro”, critica Lancellotti.

Em suas redes sociais, o religioso publicou vídeos mostrando que a população da região buscou se abrigar da chuva na Estação Júlio Prestes, mas foram impedidos. 

"A GCM (Guarda Civil Metropolitana) não deixou. Começou a jogar bombas e dar tiro de bala de borracha. Eles foram se afastando e a polícia foi atrás deles na Praça Princesa Isabel. Todos esses vídeos estão postados”, diz ele.

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De forma contundente, Lancelotti questiona a ausência de intervenção das forças de segurança para conter o arrastão, já que havia um grande efetivo na região.

"Não se tem notícia na Cracolândia de um arrastão como esse. É atípico. Foi o final de tudo que aconteceu. O que chama atenção é que na hora do arrastão, a GCM e a PM (Polícia Militar) não estavam presentes. Aonde eles ficaram se foram eles que desviaram o trânsito?". 

Padre Júlio acrescenta ainda que ao analisar minuciosamente os vídeos gravados por moradores da região, é possível notar que “nem todos tem característica de usuários da Cracolândia”. 

Ele levanta a hipótese até mesmo de algum agente infiltrado ter iniciado o conflito. “É uma tática. Por que a polícia não ficou presente? Um taxista que foi atacado disse que a PM estava a cem metros do local onde foi atacado. Em cem metros não se perde o campo de visão. Por que não chegaram lá para coibir? Acho que aquilo tudo fazia parte de um script”, comenta Lancelotti.

Em suas redes sociais, o pároco, que trabalha há décadas com a população de rua em situação de vulnerabilidade, definiu o episódio como uma “crise humanitária em São Paulo”. 

Questionada pelo Brasil de Fato, a Polícia Militar enviou a seguinte nota:

A Polícia Militar foi acionada na tarde de ontem (8) para conter um tumulto iniciado por usuários de drogas na região da Nova Luz, após a ação de limpeza realizada por agentes da subprefeitura local e acompanhamento da GCM. Imediatamente foi acionado o plano de contingência e tropas da Força Tática, Baep, Cavalaria e do patrulhamento de área reforçaram o policiamento no local. Após a chegada da PM, a situação foi controlada e a ordem foi restabelecida.

O policiamento ostensivo e preventivo foi reforçado na região para combater todas as modalidades criminosas. As polícias paulistas atuam na região de forma constante e permanente, com o emprego de bases comunitárias móveis, equipes de radiopatrulhamento de duas e quatro rodas, Cavalaria, Baep, equipes de Força Tática e ROCAM, além do uso de drones para mapear a área e traçar novas ações. De 2019 até novembro deste ano, as ações integradas na região resultaram na prisão/apreensão de 1.276 pessoas, além de 3.624,2 quilos de drogas apreendidas. Também foi possível apreender 15 armas de fogo, 76 facas, oito simulacros, 503 munições, 336 balanças e mais de R$700 mil em dinheiro.

O Brasil de Fato aguarda posicionamento da Secretaria Municipal de Segurança Urbana (SMSU), que controla a GCM, sobre a ação.

Edição: Rogério Jordão