As mulheres da Paraíba estão em plena luta contra a impunidade. Eduardo dos Santos Pereira, condenado a 108 anos de prisão em regime fechado, por ter sido o mentor do estupro coletivo na cidade de Queimadas, na Paraíba, fugiu, no dia 17 de novembro, do presídio de segurança máxima, o PB1, localizado em João Pessoa (PB). A fuga aconteceu pelo portão lateral que dá acesso ao almoxarifado.
No momento, quatro policiais penais faziam a segurança do setor e foram levados à Central de Polícia para prestar esclarecimentos. Um deles foi autuado por facilitação culposa e liberado. Segundo a Polícia Civil da Paraíba, a facilitação é culposa porque a ação não teve a intenção de provocar a fuga, no entanto, um processo administrativo foi aberto para apurar todos os fatos.
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A fuga gerou uma grande revolta nos familiares das vítimas do estupro coletivo de Queimadas e no Movimento de Mulheres e Feminista da Paraíba, principalmente, pelos indícios de facilitação da fuga. “Ficamos em risco”, disse Isânia Monteiro, irmã de Isabela Pajuçara, uma das vítimas fatais do estupro coletivo. A outra vítima fatal foi Michelle Domingos. Além delas, três outras mulheres sobreviveram ao estupro do grupo de 10 homens.
O Movimento de Mulheres e Feminista da Paraíba, do campo e da cidade, lançou, no dia 24 de novembro, uma nota pública na qual denuncia a fuga de Eduardo e pede proteção ao Estado para as vítimas e seus familiares, e as testemunhas do caso. Além disso, cobra do Governador da Paraíba, João Azevêdo, um pronunciamento público a respeito do ocorrido. Na nota, o movimento pergunta: “Como alguém foge andando pela porta lateral de um presídio de segurança máxima?” O documento completo pode ser conferido no link a seguir: bit.ly/3nSq4MU
Audiência
Além da nota, uma comissão do Movimento de Mulheres e Feminista participou de uma audiência, na última segunda (24), com as secretarias do Governo da Paraíba da Mulher e Diversidade Humana, secretária Lídia Moura, o secretário da Administração Penitenciária, Sérgio Fonseca, o secretário executivo da Administração Penitenciária, João Paulo Barros, e o secretário executivo de Segurança Pública, Lamark Donato.
Diante da situação de falta de informações por parte do estado e da falta de atualização pela mídia, a reunião tinha como objetivo cobrar uma resposta quanto à fuga do estuprador e assassino, Eduardo dos Santos, mentor do estupro coletivo de Queimadas e autor dos assassinatos de duas, das cinco mulheres estupradas, Isabela e Michelle.
Durante a reunião, os gestores declararam que o Governo da Paraíba não estava omisso diante do caso e que um processo administrativo já havia sido aberto para investigar os agentes envolvidos, no qual, foram afastados de suas funções originárias e exercem, agora, tarefas administrativas.
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Um deles está sendo responsabilizado por facilitação culposa. “Acionamos todos os órgãos de inteligência, inclusive a Interpol, para a captura do foragido”, declarou Lamark Donato, Secretário Executivo de Segurança Pública.
No entanto, a informação de alerta para a Interpol foi divulgada, formalmente, pela Secretaria de Comunicação do Governo da Paraíba, apenas na terça-feira (25).
“Um criminoso perigoso, um crime que teve repercussão nacional pela extensão da barbárie... E não acionaram polícias de fronteira estadual/nacional???? Somente agora (9 dias), depois da pressão é que declaram que irão acionar a Interpol?”, desabafou, indignada, Patrícia Sampaio, assessora técnica do Centrac, organização integrante do GT de Mulheres da Articulação do Semiárido/PB.
Quanto à assistência às vítimas, o Estado disse ter oferecido todas as medidas possíveis referente aos aparelhos disponíveis para o amparo legal, no entanto as famílias não aceitaram mudar sua rotina ou sair da cidade onde residem.
A comissão do movimento solicitou audiência com o governador e o comprometimento da resolução deste caso o mais rápido possível e até o momento aguarda resposta.
Campanha por Justiça nas redes
O Movimento de Mulheres e Feminista da Paraíba também lançou uma campanha para as redes sociais, com as hashtags:
#AindaSomosMulheresdeQueimadas
#ABárbariedeQueimadasNãoFicaráImpune
#SeuSilêncioéConivente
#FalaGovernador
Além disso, o movimento pede para que todas as manifestações voluntárias nas redes marquem o perfil @movmulherespb, para que se possa reunir todas as menções à campanha e repostá-las. Nessa movimentação das redes, as organizadoras também marcaram várias autoridades, chamando-as a se integrarem na campanha e se posicionarem.
A deputada estadual Estela Bezerra (PSB) cobrou providência para recaptura do foragido e solicitou informações sobre o caso, assim como o deputado federal Frei Anastácio (PT).
Lídia Moura, secretária da Mulher e Diversidade Humana se posicionou através de nota dizendo: “apoiamos o Movimento Feminista e de Mulheres da Paraíba nas ações e após a apuração dos culpados da fuga, pedimos a punição exemplar e severa”.
Relembre o caso
Situada no agreste da Paraíba, a cidade de Queimadas foi palco de um dos crimes mais hediondos da história do direito brasileiro e internacional. Trata-se do crime conhecido como a “Barbárie de Queimadas”.
Cinco mulheres foram estupradas por dez homens – dentre eles três adolescentes. Duas delas foram assassinadas por terem reconhecidos os estupradores: Isabela Pajuçara (27 anos) e Michelle Domingos (29 anos).
O crime foi “oferecido” por Eduardo dos Santos Pereira, a seu irmão, Luciano dos Santos Pereira, como presente de aniversário. Foi planejado com ao menos uma semana de antecedência, havendo o conhecimento de todos os homens envolvidos. Eles compraram cordas, fitas adesivas, máscaras entre outros acessórios para a tortura e destruição física dessas mulheres.
No dia 12 de fevereiro de 2012, as mulheres foram convidadas para a festa de aniversário de Luciano. Em algum momento da festa, as luzes foram apagadas, aumentaram o som para que ninguém ouvisse os gritos, e simularam um assalto. As mulheres foram amarradas e estupradas.
Devido à forte pressão do Movimento de Mulheres e Feminista da Paraíba, dos familiares das vítimas e do movimento de direitos humanos, o julgamento do caso foi célere e causou comoção e indignação na população brasileira e mundial. Muitos protestos, movimentações e denúncias foram realizadas pelo movimento na ocasião do crime.
Ainda em 2012, seis dos autores foram condenados por estupro, cárcere privado e formação de quadrilha, a uma pena que se fosse somada corresponderia a 186 anos de prisão, e os adolescentes envolvidos iniciaram o cumprimento das respectivas medidas socioeducativas.
No dia 14 de setembro de 2012, uma audiência pública promovida pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) foi realizada em João Pessoa para apurar o estupro coletivo de Queimadas e outros casos de violência contra mulheres que ocorriam à época. Na passagem pela Paraíba, a CPMI também esteve em Queimadas.
Em diligências a equipamentos públicos e ao ouvir autoridades do governo do Estado, Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública, a CPMI constatou a falta de um plano específico de segurança pública para a prevenção e o enfrentamento ao alto número de homicídios contra mulheres, em especial em João Pessoa.
O último réu a ser julgado foi Eduardo dos Santos Pereira, acusado de ter sido o idealizador do crime e executor das vítimas assassinadas, Isabela e Michelle.
Neste momento, o que o Movimento de Mulheres e Feminista da Paraíba pede o pronunciamento do Governador da Paraíba, João Azevêdo, sobre o caso e segue denunciando a fuga, com indícios de facilitação, e cobrando para que o mentor do estupro coletivo de Queimadas (PB), Eduardo dos Santos Pereira, seja recapturado, tendo assim, as vítimas, suas famílias e testemunhas a possibilidade de voltar a viver em segurança.
Nota pública do Movimento de Mulheres e Feminista da Paraíba
Após a fuga, o Movimento de Mulheres e Feminista da Paraíba divulgou nota pública repudiando a facilidade com que o responsável pelo crime de Queimadas saiu de um presídio de segurança máxima, criticando a irresponsabilidade e o desdém com que a segurança das mulheres paraibanas foi tratada e exigindo uma Audiência Pública com o governo do estado para que explicações sobre o caso sejam dadas e o condenado cumpra a pena estabelecida pela Justiça. Confira a íntegra da nota:
Ainda Somos Todas Mulheres de Queimadas/PB: o principal responsável pelo planejamento e execução do estupro coletivo na cidade de Queimadas (PB), condenado a 108 anos de prisão, saiu pela porta lateral do presídio de segurança máxima no último dia 17 de novembro.
O dia 25 de setembro de 2014 parecia ser o fim de um triste episódio para as mulheres brasileiras: o dia que Eduardo dos Santos Pereira, mentor do estupro coletivo, seguido de duplo assassinato, ocorrido na cidade de Queimadas, na Paraíba, em fevereiro de 2012, foi condenado por júri popular a 108 anos de prisão, em regime fechado.
No entanto, no último dia 17 de novembro, deparamo-nos com a notícia de que Eduardo dos Santos Pereira “fugiu” da Penitenciária de Segurança Máxima (PB1) pela porta lateral do presídio. Nós, mulheres do campo e da cidade, do Movimento de Mulheres e Feministas da Paraíba, reunidas em torno da Coletiva Margaridas da Paraíba, vimos a público denunciar que essa fuga, na verdade, trata-se de conivência e facilitação para que esse criminoso de alta periculosidade volte a oferecer risco à sociedade e às mulheres brasileiras.
Às vésperas do dia 25 de novembro, Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher, estamos diante de um quadro de irresponsabilidade e desdém com a segurança das mulheres paraibanas, brasileiras e, em especial, das mulheres (e seus familiares) vítimas do estupro coletivo e dos assassinatos da Barbárie de Queimadas. Até o momento, não ouvimos um pronunciamento formal do Governador da Paraíba, João Azevêdo, a respeito desse inexplicável fato. Como um condenado foge, sem dificuldades, pela porta lateral de um presídio de segurança máxima? Nós queremos ouvir uma explicação, senhor Governador! Por isso, afirmamos: #SeuSilêncioéConivente.
Como o estado pode garantir a vida e a segurança das mulheres dessa maneira?
Nesse sentido, EXIGIMOS uma audiência com o Governo da Paraíba, pois queremos uma explicação e uma declaração pública do fato ocorrido.
EXIGIMOS que tal fato seja apurado nos rigores da lei e que sejam impetradas ações efetivas para que o criminoso Eduardo dos Santos Pereira seja capturado e cumpra a pena que lhe foi imposta pela justiça.
EXIGIMOS também que todas as testemunhas e parentes das vítimas da Barbárie de Queimadas sejam protegidas e preservadas desse quadro instável e desolador de profunda injustiça. #
Entenda o ocorrido: situada no Agreste da Paraíba, a cidade de Queimadas foi palco de um dos crimes mais hediondos da história do direito brasileiro e internacional. Trata-se do crime conhecido como “Barbárie de Queimadas”, em que cinco mulheres foram estupradas por dez homens, sendo três deles adolescentes. Duas delas foram assassinadas por terem reconhecido os estupradores: Isabela Pajuçara (27 anos) e Michelle Domingos (29).
O crime foi “oferecido” por Eduardo dos Santos Pereira a seu irmão, Luciano dos Santos Pereira, como presente de aniversário, e foi planejado com ao menos uma semana de antecedência, havendo o conhecimento de todos os homens envolvidos. Eles compraram cordas, fitas adesivas, máscaras, entre outros acessórios, para a tortura e destruição física dessas mulheres. Um típico enredo de filme de terror: no dia 12 de fevereiro de 2012, as mulheres foram convidadas para a festa de aniversário de Luciano. Em determinado momento da festa, as luzes foram apagadas, aumentaram o som para que ninguém ouvisse os gritos, e simularam um assalto. As mulheres foram amarradas e estupradas.
Ainda em 2012, seis dos autores foram condenados por estupro, cárcere privado e formação de quadrilha - pena que, se fosse somada, corresponderia a 186 anos de prisão; já os adolescentes envolvidos, iniciaram o cumprimento das respectivas medidas socioeducativas. O último réu a ser julgado foi Eduardo dos Santos Pereira, acusado de ter sido o idealizador do crime e executor das vítimas assassinadas, Isabela e Michelle.
Estupros coletivos, como o acontecido em Queimadas, são manifestações extremas de machismo e misoginia e precisam ser devidamente punidos. O movimento feminista e de mulheres acompanhou todo o caso e identificou, à época, relatos constantes de uma cultura de violência combinada com silêncio e medo em Queimadas. Apesar da pouca atenção da imprensa, os movimentos feministas e de mulheres e as famílias das vítimas foram fundamentais para dar visibilidade ao caso, pressionar e demonstrar a indignação diante da violência contra as mulheres.
Em memória das mulheres brutalmente assassinadas e em defesa da vida de todas nós, é importante que este crime seja punido e que os criminosos cumpram a pena que foi estabelecida. Não permitiremos que a violência contra as mulheres seja naturalizada.
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João Pessoa, 25 de novembro de 2020
Fonte: BdF Paraíba
Edição: Maria Franco