A aprovação do 14º Plano Quinquenal da China, em outubro passado, indica que o grande país asiático continuará, no futuro próximo, com o incrível ímpeto desenvolvimentista das últimas quatro décadas. O plano, previsto para cobrir o período de 2021 a 2025, define metas audaciosas para o desenvolvimento social do país e tornará mais esfuziante ainda a fisionomia da China moderna.
O elevado crescimento chinês das últimas quatro décadas é um feito excepcional, verdadeiro “fenômeno chinês” contemporâneo, iniciado com a proclamação da República Popular, em 1949, ganhando novas configurações em 1978 e vindo até os dias de hoje.
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Nesse período, a China percorreu uma trajetória sinuosa, teve altos e baixos, mas manteve objetivos perenes como: 1) a construção de uma sociedade cada vez mais inclusiva, que incorpora avanços civilizatórios e resgata o melhor das tradições milenares do povo chinês; 2) a criação de uma base econômica poderosa, moderna, integrada com o mundo exterior, mas independente dele; 3) a montagem de uma defesa inexpugnável, ágil e versátil, com alta capacidade de dissuasão.
Todos esses objetivos foram alcançados em um curto período. No alvorecer do século 20, tropas de oito potências imperialistas -- Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, Rússia, Itália, França, Áustria e Japão -- estiveram em território chinês. Hoje, isto é impensável. Durante quase todo o século 20, a economia chinesa era bem menor do que as maiores do mundo. Hoje, é a primeira, sob o critério da Paridade de Poder de Compra, e a segunda, em PIB nominal medido em dólar.
Ocorre que os povos do mundo, sobretudo os dos países menos desenvolvidos ou em desenvolvimento, querem crescer e buscam uma economia pujante. Aparece, então, a tendência natural a se levar em conta com o exemplo que está dando certo, e o caminho chinês passa a ser observado.
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E aí vem um problema. É que aqui no Ocidente, e naturalmente no Brasil, noticiam-se os feitos da China, analisam-se seus projetos, mas omite-se cuidadosamente o que os chineses declaram ser a razão de ser das suas vitórias, o socialismo de mercado que há anos constroem. A própria palavra socialismo, entre nós, não é sequer citada, salvo meritórias exceções que existem.
Aliás, analistas toscos do capital e a grande mídia não aceitam, nem falam, que a economia que mais cresce no mundo, há décadas, é socialista; não dizem que o país onde essa economia se desenvolve é dirigido por um Partido Comunista; que o socialismo, dito morto, lá está vivo, inovando, e na frente do desenvolvimento do mundo.
Diferentemente, o artigo escrito na Folha de São Paulo, em 13 de novembro passado, pelo Embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, sobre o 14º Plano Quinquenal, diz logo em seu primeiro parágrafo que o Plano inaugurará “uma nova etapa no caminho para um Estado socialista amplamente modernizado” em seu país. Evitar temas sobre o socialismo contemporâneo e suas manifestações atuais mais avançadas é completamente contraproducente.
A partir de 1978, a China fez sucessivas alterações em seu modo de produção, conformando o que hoje é a economia socialista de mercado. Planejamento global amplo, produção de mercadorias respeitando a lei do valor, propriedade estatal da terra, controle da política monetária e da de investimentos, remuneração segundo o trabalho, ter por objetivo central o desenvolvimento das forças produtivas, ampliar a democracia, reforçar o sistema legal socialista, descentralizar e, finalmente, promover a coexistência de diferentes formas de propriedade sob a égide da propriedade social, tais são, em grandes linhas, algumas das características da economia socialista de mercado que se desenvolve na China. Ditas características ultrapassaram a planificação ultracentralizada, de inspiração soviética, a uniformidade distributiva que mirava o “igualitarismo”, a estatização total dos meios de produção e a exacerbação da burocracia.
Como tudo isto é desenvolvimento do socialismo, segue sendo da maior importância examinar a dinâmica interna da economia socialista de mercado, identificando suas formas novas e os mecanismos que asseguram o prevalecimento do interesse social no conjunto da economia. Estudos se desenvolvem sobre o tema na China e em outros países. No Brasil, o professor Elias Jabour tem dado importantes contribuições na compreensão de como funciona esse sistema.
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Quando esse tema é colocado, aparece com frequência o aforismo “não importa a cor do gato, contanto que ele cace rato”, que teria sido dito no final da década de 1970 pelo dirigente chinês Deng Xiaoping. Fora do contexto, a frase tem sido interpretada segundo óticas diversas. Uma delas concluiu que ela significa “não existe ideologia quando se trata de tecnologia” (Diário do Poder, 07/02/2019). É uma falsidade.
O ponto de partida das mudanças registradas recentemente na China e que deram na atual economia socialista de mercado foi a 3ª Sessão Plenária do 11º Comitê Central realizada de 18 a 22 de dezembro de 1978, que contou com a presença de Deng Xiaoping, o grande inspirador das mudanças ocorridas.
Deng fundamentou seus pontos de vista em diversos textos, alguns copilados em seus “textos escolhidos”. Observando o quadro geral da China no período da 3ª reunião referida, escreveu: “Livramo-nos do caos promovido durante dez anos por Lin Biao e o 'bando dos quatro' e criamos uma situação política estável, indispensável para nossa modernização socialista.” Esta situação “permite agora a todo partido trasladar, a partir deste ano, o centro de gravidade de seu trabalho para a modernização socialista.” “... temos razões suficientes para afirmar que estamos vivendo agora o começo de uma nova etapa de desenvolvimento histórico”.
O aforismo de “não importa a cor do gato contanto que cace ratos” coloca-se nesse contexto: não importa a cor do gato contanto que esteja a serviço da modernização socialista. É totalmente descabida qualquer interpretação que signifique abandonar o caminho socialista para construir qualquer tipo de capitalismo.
Os povos do mundo rejubilam-se com o desenvolvimento da China e de outros países, responsáveis pela criação de uma situação internacional multipolar. Buscam caminhos próprios de desenvolvimento, repelem a ideia de copiar modelos, mas precisam conhecer e se inspirar na fase atual de desenvolvimento do socialismo no mundo, que tem na China o exemplo mais expressivo.