Recuperar a economia após um ano de governo interino, em plena pandemia de covid-19. Essa é a missão de Marcelo Montenegro, novo ministro de Economia e Finanças da Bolívia e “braço direito” do presidente Luis Arce, do Movimento ao Socialismo (MAS).
Diretor do Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidad Mayor de San Andrés (UMSA), Montenegro recebeu a reportagem do Brasil de Fato para uma entrevista em seu escritório, na capital La Paz, às vésperas da eleição de 2019. O assunto da conversa eram os 13 anos de crescimento da Bolívia sob o governo de Evo Morales (MAS), candidato à reeleição na época.
O contexto mudou, mas a entrevista revela aspectos importantes da visão econômica de Montenegro e das ideias que pretende colocar em prática no Ministério.
Confira:
Nacionalização dos recursos minerais
O novo ministro é um entusiasta do decreto de Morales que nacionalizou o petróleo e o gás, em 1º de maio de 2006.
Esse processo, liderado pelo então ministro de Economia e atual presidente Luis Arce, baseou-se na transferência de empresas privadas para o controle do Estado e, principalmente, na renegociação de contratos de transnacionais, que aceitaram pagar mais impostos.
Ainda hoje, a estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPBF) não dá conta de extrair todo o petróleo porque tem apenas duas operadoras no país: a Chaco, que é 90% boliviana, e a Andina, que pertence 50% à Bolívia e 50% à espanhola Repsol. Também atuam na Bolívia a brasileira Petrobras, a holandesa Shell, a francesa Total, a russa Gazprom e a venezuelana PDVSA.
Segundo Montenegro, o imposto adicional de 32% sobre as empresas que operam nos megacampos de Sábalo e San Alberto ampliou as receitas significativamente e deu solvência à carteira do Estado. Com isso, foi possível investir em obras públicas e programas de transferência de renda.
“Se não tivesse sido aplicado, o Tesouro estaria de bolsos vazios, sem poder aplicar nenhum tipo de política”, ressalta. “Às vezes se fazem leis e não se prevê de onde virão os recursos para aplicar essas políticas. Nesse caso, a carteira do Estado, do governo central, municipal, dos estados e das universidades se ampliou graças à aplicação daquele decreto.”
Ao final do governo Morales, com essas políticas, a Bolívia era o país que mais crescia na América do Sul, reduzindo a pobreza extrema de 38,2% para 15,2%.
Lítio e transição energética
A Bolívia possui a maior reserva de lítio do mundo. O metal, usado para fabricação de pilhas e baterias, é considerado um dos temas do golpe de 2019.
Montenegro considera que o petróleo e o gás continuarão sendo fontes energéticas primordiais “por muito tempo.” No entanto, deixa claro que a prosperidade da Bolívia, à medida que o mundo passa a adotar fontes de energia menos poluentes, depende da industrialização do lítio.
“O lítio permitirá que a Bolívia venda energia, o que tem muito mais valor agregado que vender gás”, enfatiza o economista.
Você também pode se interessar: As multinacionais, o valioso lítio da Bolívia e a urgência de um golpe
Mercado interno
Em tempos de pandemia, uma das maiores dificuldades é a queda nos salários e no poder de compra da população. Se depender do novo ministro, o Estado não poupará esforços para estimular a demanda interna.
“Esse não é um tema associado estritamente aos governos ‘populistas’”, adverte Montenegro. “Se olharmos o caso da Suíça ou da Alemanha, eles potencializam o mercado interno como um elemento dinamizador da economia.”
Relembre: Por que a Bolívia não para de crescer enquanto vizinhos enfrentam recessão?
A principal preocupação do economista é que, quando se sacrifica ou não se estimula o mercado interno, a arrecadação do Estado cai automaticamente. “As despesas não são fáceis de reduzir, então os países que não estimulam a demanda interna acabam batendo à porta do Fundo Monetário Internacional [FMI]”, completa.
Marcelo Montenegro é mestre em Economia Aplicada pela Universidad Andina Simón Bolívar e atuou no Vice-Ministério de Política Tributária quando Arce liderava a pasta de Economia e Finanças.
Edição: Rodrigo Chagas