ELEIÇÕES 20

Artigo | Eleições 2020: O que é possível projetar como cenário para 2022?

Artigo sistematiza dados das pesquisas de opinião apontando projeções de cenário pós-eleições

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
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"É difícil anteciparmos qual será o impacto de um governo de extrema-direita na dinâmica das eleições municipais" - Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil

Há muitas avaliações sobre o impacto das próximas eleições municipais no cenário político, em especial sobre as mudanças que se produzirão no tabuleiro das eleições presidenciais de 2022.

Tais avaliações são bastante díspares, transitando desde a projeção de uma segunda onda bolsonarista varrendo as prefeituras em todo país até leituras mais otimistas vislumbrando um reposicionamento das forças progressistas após a tragédia do pleito de 2016.

Deste modo, este texto tem por objetivo sistematizar alguns dados disponíveis por meio das pesquisas de opinião fornecendo uma base empírica mais sólida para derivarmos nossas projeções de cenário pós-eleições. Antes de expor os resultados desse levantamento, é importante fazermos uma caracterização do quadro político em que se desenvolverá esta eleição.

Eleição atípica

O primeiro elemento a ser destacado é que esta é uma eleição profundamente atípica, o que dificulta ainda mais os exercícios de projeção, na medida em que os nossos parâmetros anteriores não são plenamente comparáveis.

Esta será a primeira eleição em meio a uma pandemia, o que em si já impõe uma nova dinâmica. Ela impactará aspectos estruturais e imponderáveis como o nível de comparecimento nas seções de votação, bem como a dinâmica de campanha, com o aumento ainda maior do peso das redes sociais, bem como das mídias tradicionais, com as limitações para o corpo a corpo.

Há muitas avaliações díspares sobre o impacto das próximas eleições municipais no cenário político

 Além desse fator sanitário, outro elemento atípico são as novas regras eleitorais que extinguem as coligações proporcionais. Tais regras já impuseram um resultado: a proliferação das candidaturas. Esta será a eleição com o maior número de candidatos da história, provavelmente estimulada pela necessidade dos partidos fortalecerem suas bancadas de vereadores, lançando candidatos majoritários.

Por fim, temos ainda um último fator que caracteriza o ineditismo desse pleito que é o fato desta ser a primeira eleição pós-Bolsonaro. É difícil anteciparmos qual será o impacto de um governo de extrema-direita na dinâmica das eleições municipais, em muitas das quais ainda não havia se configurado um campo político de extrema-direita.

Assinalada essa atipicidade das eleições de 2020, precisamos agora estabelecer a caracterização do momento político em que está situada esta disputa eleitoral.

Estabilização do governo Bolsonaro

Para resumir em poucas palavras, dado que este não é o objetivo do texto, as eleições ocorrerão em uma etapa de estabilização do governo Bolsonaro. Após a grave crise política desencadeada no primeiro semestre, com o início da pandemia, que colocou a alternativa do impeachment como cenário viável, Bolsonaro conseguiu restabelecer as condições de governabilidade.

Essa estabilização se explica com base em dois fenômenos:

1) a recuperação da popularidade do governo, que retomou os patamares anteriores à pandemia, graças ao auxílio emergencial que lhe permitiu penetrar em uma parcela do eleitorado que não detinha;

2) a mudança de tática de Bolsonaro que retira a ruptura institucional do plano imediato, para uma perspectiva de golpe incremental, cuja primeira etapa passa por uma política de acomodação com o Congresso e o Judiciário, e por uma política de cooptação do Centrão.

Esse cenário de maior estabilidade permite que Bolsonaro já inicie a campanha para a sua reeleição em 2022.

Campos políticos

Feita essa caracterização geral do momento político, é preciso identificarmos campos políticos que estão se confrontando neste pleito. Há três campos políticos bem delineados, e um quarto bloco gelatinoso que desliza na associação com os demais campos de acordo com a conveniência política. Vamos a eles:

1) o Campo Bolsonarista, composto por forças políticas dispersas em várias legendas, mas vinculadas à sustentação do governo Bolsonaro, e alinhadas com um projeto político de extrema-direita.

2) o Campo Progressista, constituído por forças políticas heterogêneas, mas que estiveram ao redor da candidatura de Haddad no segundo turno das eleições de 2018, representadas principalmente no PT, PC do B, PSOL, PDT e PSB.

3) o Campo da Direita tradicional, que reúne as forças políticas que se propõem a ser uma terceira via entre os campos anteriores, representadas em especial no PSDB e no DEM.

Por fim, há ainda o bloco do Centrão que não se conforma como um campo, pois não opera segundo um projeto próprio, mas como força auxiliar dos demais campos políticos de acordo com as circunstâncias locais. Dependendo da situação política, ele pode estar associado ao campo bolsonarista, à direita tradicional ou até mesmo ao campo progressista.

Cada um destes campos parte de objetivos distintos para as eleições municipais, mas todos visam à sucessão presidencial em 2022.

O campo bolsonarista pretende se firmar no cenário político municipal, na medida em que é uma expressão muito recente, consolidando uma base eleitoral que pavimente a reeleição de Bolsonaro em 2022. Essa operação é dificultada pela ausência de uma legenda do presidente, que implodiu o PSL e não conseguiu formar a sua própria legenda, de modo que a sua força política se apresenta diluída em várias agremiações.

Além disso, Bolsonaro (sem partido), até o momento, tem distribuído com moderação seus apoios, evitando dividir uma potencial base, bem como evitando se expor a possíveis derrotas. Deve entrar mais incisivamente no embate eleitoral a partir do segundo turno.

O campo progressista busca se reposicionar em âmbito municipal após a derrota expressiva que sofreu em 2016. As últimas eleições municipais ocorreram logo após o impeachment da presidenta Dilma, portanto, no momento de maior desgaste das forças que sustentavam o governo golpeado, em especial do PT, que perdeu mais da metade dos municípios que dirigia em comparação com as eleições de 2012.

Apesar das sucessivas derrotas nos últimos anos, esse campo entrará na arena eleitoral de modo bastante fragmentado. Essa incapacidade de traduzir a identidade política deste campo em alianças se deve tanto pela nova legislação eleitoral, quanto pelo processo de disputa de hegemonia que está em curso no interior deste campo. O desgaste acumulado pelo PT ao longo das 3 décadas em que exerceu a hegemonia no campo progressista, aliado ao processo mais recente de criminalização da legenda, criou condições favoráveis para um questionamento da liderança do PT.

É preciso aproveitar o tempo que nos resta para reconstituir as combalidas bases sociais de uma alternativa política de esquerda

De um lado, temos o PDT e o PSB conformando um polo nestas eleições, visando a construção da candidatura de Ciro Gomes em 2022, demarcando explicitamente com a experiência petista. De outro lado, temos o PSOL também tentando se viabilizar como alternativa real ao PT, mas sem fazer a confrontação direta. Ao contrário, procurando atrair as bases que historicamente estiveram com o PT para a sua órbita.

Nesse cenário, o PT vai para as eleições com o intuito de manter a sua posição hegemônica perante o campo das forças progressistas. Diante da situação desfavorável para a esquerda e a centro-esquerda neste cenário eleitoral, os objetivos dessas forças políticas acabam sendo mais internos ao campo progressista do que externos. 

Por fim, o campo da direita tradicional busca um reposicionamento após a profunda derrota que sofreu em 2018, quando foi desalojado do seu espaço político habitual pelo bolsonarismo. Tais forças pretendem conformar um pólo político a partir do núcleo PSDB/DEM/MDB, que se apresente como alternativa aos demais campos para 2022.

O que apontam as pesquisas

Diante deste panorama, para que possamos prospectar cenário, precisamos conjugar esse quadro de análise política com os dados empíricos disponíveis até o presente momento, para diminuir o grau especulativo das nossas análises.

Para tanto, o exercício aqui desenvolvido foi o de reunir todas as últimas pesquisas (IBOPE e Datafolha) realizadas nas capitais, categorizando as candidaturas mais competitivas nos 3 campos acima descritos. Essa categorização, além de levar em conta as legendas dos candidatos (que muitas vezes não traduzem fielmente as posições nacionais), levou em consideração o posicionamento dos candidatos nas eleições anteriores, bem como a relação com o governo Bolsonaro (reivindicação de apoio).

Das 23 capitais pesquisadas pelos dois institutos, reuniu-se as candidaturas mais bem posicionadas (foram incluídas, além do primeiro e segundo colocado, os terceiros colocados que estão empatados tecnicamente em segundo), totalizando 50 candidaturas. Sabemos que as capitais não expressam a totalidade da dinâmica eleitoral, mas ao menos possibilitam uma radiografia dos principais centros políticos do país.

A expectativa desse esforço é de que, dividindo-se essas candidaturas pelos campos políticos que representam, poderíamos extrair um indicador do nível de competitividade nacional desses campos, bem como projetar tendências para o desempenho eleitoral dos mesmos.

Bolsonaro tem tido uma atuação discreta. Em um segundo turno é possível que possa incidir fortemente

Cabe ressaltar que essa categorização em campos nem sempre é simples de ser feita e, em geral, tem algum grau de arbitrariedade. Contudo, apesar de ser possível questionar os critérios para o enquadramento de algumas candidaturas, o que nos interessa nesse levantamento, que não tem pretensões acadêmicas, é o quadro geral.

De acordo com esse levantamento, das 50 candidaturas mais bem posicionadas, 54% estão associadas à direita tradicional, 20% ao campo bolsonarista e 18% ao campo progressista. Se o recorte for das 10 maiores capitais, levando-se em consideração a intenção de votos atual, veremos que a direita tradicional estará no segundo turno em todas essas capitais, podendo ainda ganhar em pelo menos 3 cidades no primeiro turno (Salvador, Curitiba e Belo Horizonte).

Esses dados apontam para uma tendência de fortalecimento da direita tradicional, como cenário mais provável dessas eleições. Além dessa ampla vantagem em termos de candidaturas competitivas, esse campo político estará muito provavelmente representado em todos os segundos turnos das 23 capitais do levantamento.

Até agora, não há tendência de nenhum embate entre o campo progressista e uma candidatura abertamente bolsonarista no segundo turno. Isso significa que esse campo é o principal termo de polarização das eleições, ora confrontando com o bolsonarismo, ora confrontando com os progressistas ou, às vezes, ocupando os dois lados do embate. Deverá ter um bom desempenho nas eleições em especial no Sudeste e no Sul, mas com bom desempenho em todas as regiões.

Tendências

Dessa tendência não devemos derivar precipitadamente a conclusão de que há um sentimento “centrista” na população que poderia favorecer a direita tradicional em 2022.

Os resultados das pesquisas de intenção de voto presidencial indicam que os postulantes oriundos desse campo até agora não conseguiram se firmar no cenário político. Ao contrário, a candidatura de João Dória tem um índice de rejeição bastante elevado, principalmente no próprio estado em que governa.

No entanto, esse campo geralmente está associado às estruturas políticas dominantes em âmbito local. Na maioria dos casos, está na situação ou dirigiu recentemente esses municípios, colocando-se para o eleitor como uma opção “segura” num cenário de muitas incertezas.

Representando hoje 18% das candidaturas competitivas nas capitais o campo progressista apresenta uma tendência de estagnação ou de tímido crescimento. No quadro atual esse campo governa duas capitais (Recife e Fortaleza) entre as 10 maiores. Nestas eleições, os números indicam até o momento, a possibilidade de candidatos progressistas disputarem três capitais no segundo turno (Recife, Fortaleza, Belém) entre as 10 maiores.

Será um desempenho bastante modesto nas capitais, contudo, se o termo de comparação for as eleições de 2016, pode haver algum crescimento nas cidades médias. O Nordeste deverá continuar sendo a grande fortaleza deste campo, ainda que sofra algumas baixas.

Cabe ainda destacar as dificuldades do PT em apresentar candidaturas competitivas nas capitais. Das 9 capitais em que o campo progressista está disputando o segundo turno neste momento, somente duas serão encabeçadas pelo PT.

Por fim, temos uma tendência de consolidação de um campo bolsonarista na esfera municipal, que até então era muito incipiente. Dificilmente haverá uma onda de extrema-direita tal como se viu nas eleições de 2018, no entanto, isso não significa um desempenho desprezível.

Apesar das trapalhadas na formação de uma legenda bolsonarista, em apenas dois anos a presença de candidaturas de extrema-direita competitivas já se equipara a do campo progressista, podendo chegar no segundo turno em 10 capitais. Além disso, o bolsonarismo tende a formar um exército de vereadores ocupando os legislativos municipais, reverberando o ideário neofascista nos locais mais remotos do país.

Há ainda que se atentar para a dinâmica do segundo turno. Até agora, Bolsonaro tem tido uma atuação bastante discreta. Contudo, em um segundo turno, é possível que possa incidir fortemente, inclusive ampliando o espectro de candidaturas que se identifiquem com o bolsonarismo, alargando seu campo de influência. 

Essa projeção de cenário, nunca é demais reforçar, está baseada nos dados disponíveis, constituindo uma fotografia do quadro eleitoral atual. As próximas semanas podem trazer alterações, produzindo mudanças nessas tendências. 

Certezas

Contudo, pelo menos duas certezas podem ser afirmadas com base nessa análise parcial.

A primeira é que a principal frente de combate ao bolsonarismo, nos próximos meses, se dará nas eleições de novembro. É fundamental evitar uma vitória expressiva da base de apoio de Bolsonaro nas eleições, algo que o colocará em condições ainda mais favoráveis para sua reeleição. Todo empenho para derrotar o bolsonarismo é válido, nem que seja necessário apoiar a direita tradicional no segundo turno.

A segunda conclusão que podemos extrair é que o campo progressista não conseguirá nesse processo eleitoral, recolocar-se no centro da polarização política do país. Se esse campo tem pretensões de rivalizar com o bolsonarismo em 2022, terá que fazer nos próximos dois anos o que não fez até agora: liderar a oposição a Bolsonaro. 

Será preciso aproveitar meticulosamente o tempo que nos resta para reconstituir as combalidas bases sociais de uma alternativa política de esquerda.

Lúcio Centeno integra a direção nacional da Consulta Popular.


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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato

Fonte: BdF Minas Gerais

Edição: Elis Almeida