Em 2018 o Brasil voltou ao Mapa da Fome, apenas 4 anos após ter deixado de integrar o indicador social. O retorno pode ser entendido a partir de ações como a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) em nível nacional e o sucateamento de políticas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Para explicar as causas e consequência do retorno da fome no país, o Brasil de Fato Pernambuco conversou com Régis Xavier, Secretário Geral do Consea em Pernambuco. Confira os principais trechos da entrevista:
BdF PE: Quais são as maiores ameaças atualmente ao direito humano à alimentação no Brasil?
Régis Xavier: Desde o golpe de 2016, com o governo Temer, a gente vem sendo ameaçado com relação ao direito à alimentação e isso se agravou agora com o atual governo. O acesso à alimentação através de vários programas foi brutalmente ameaçado, como o próprio Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que é um programa histórico.
Não podemos dizer que falta alimento, é o modelo de desenvolvimento que não está preocupado que a população seja privada do seu direito básico. Nesse modelo, o compromisso do mandatário do Governo Federal e todas as pessoas que fazem parte da sua equipe não têm a vida como eixo principal. A situação é muito grave e infelizmente o cenário não é muito animador daqui pra frente.
Por quais políticas de desmonte o Brasil tem passado no que se refere à segurança alimentar?
A questão do PAA e do PNAE são as que vêm causando maiores mobilizações da sociedade civil. A questão do PAA, o Programa 1 Milhão de Cisternas foi totalmente destruído, em nível de Brasil. Hoje cada município se vira como pode. A própria extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) é uma estratégia do governo para desarticular e tirar de cena a sociedade civil, que é quem vinha acompanhando e monitorando esses programas.
Explica pra gente um pouco em que consistia a atuação do Consea e como você avalia a extinção dele em nível nacional. Como está atualmente a situação do Conselho?
Não é a primeira vez que o Consea é extinto. Mas quando agora o atual presidente extingue o Consea, ele só tirou da lei justamente a parte que trata do controle social. Essa participação da sociedade civil é quem dava legitimidade às decisões governamentais. O governo não compreende a alimentação como uma política estratégica, e isso tem várias consequências.
O se que tirou foi esse diálogo entre sociedade civil no nível municipal e estadual com o Consea nacional. Essa relação foi quebrada. Mas por exemplo, hoje existe a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan) que faz essa ponte com o município.
Como você avalia o retorno do Brasil ao Mapa da Fome?
Primeiro, é muito doloroso isso. A gente vinha em um processo de luta no Brasil e de repente você percebe um processo, talvez bem articulado, no nível desse modelo excludente, que faz com que a gente volte para o Mapa da Fome. Tivemos todo um processo de avanço durante o governo Lula, que assumiu o compromisso de erradicar a fome no Brasil e agora temos todo esse retrocesso.
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A questão da fome aumenta a possibilidade real da violência nos grandes centros urbanos, aumenta no interior do estado a fragilidade da produção agrícola, porque não há investimento para isso. A volta da fome está condenando o país e as próximas gerações a uma situação deplorável. Tem várias coisas que podem ser feitas para enfrentar essa situação, mas não podem ser ações individuais. A segurança alimentar é uma política articulada com todas as outras políticas, ela não caminha sozinha.
No contexto que estamos hoje, qual é o caminho que o Brasil precisa trilhar se quiser reverter a situação da fome no país?
Inverter a pauta política. É claro que pra você sair desse modelo de desenvolvimento que vivemos hoje é um longo caminho, mas podemos criar alternativas, podemos, por exemplo, fortalecer a agricultura familiar. É preciso fazer com que esse alimento que é produzido chegue nos espaços públicos, nas escolas. Bastava, por exemplo, que nos municípios os gestores comprassem os 30% da agricultura familiar, porque no estado de Pernambuco, por exemplo, a maioria não faz isso, e, quando faz, faz de forma muito tímida.
Precisa ter uma vontade política também, e não fazer ações de segurança alimentar pontuais de forma desarticulada. Os sindicatos, os trabalhadores rurais, você tem vários atores sociais no estado fazendo essa discussão. O momento não é de fazer ações isoladas, é de se conectar e fazer ações articuladas e coletivas. É o único caminho que a gente tem pra enfrentar essa situação.
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Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Vanessa Gonzaga