Apesar dos protestos da comunidade escolar, o governador Eduardo Leite (PSDB) confirmou o calendário de retorno às aulas presenciais na rede estadual já a partir do dia 20 de outubro, data em que o Ensino Médio deve voltar. Mas, faltando pouco mais de um dia útil para reabrir as portas, direções escolares aguardam aflitas pelos equipamentos de proteção prometidos e a reposição de funcionários para a higienização.
Em ofício enviado às Coordenadorias Regionais de Educação (CREs), a Secretaria da Educação (Seduc) ordenou a convocação de todos os educadores para realizarem plantões com o objetivo de organizar as escolas e aguardar a transportadora contratada para entregar os equipamentos. Desde o dia 5, os trabalhadores esperam de braços cruzados.
Na sexta-feira (16), o Brasil de Fato contatou algumas escolas da rede para conhecer as reais condições para cumprir o calendário e os protocolos sanitários estipulados pelo governo. As respostas demonstram que há uma grande distância entre a propaganda oficial e o que se passa no chão da escola.
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Protocolos inviáveis
"São 20 salas, fora os outros setores da escola. Não tem como manter padrão de higiene, é inviável". Esse é o desabafo de Isabel Siqueira, diretora da EEEM Santa Rosa, de Porto Alegre, que está preocupada em como dar conta da demanda se tiver que manter a escola aberta.
A Santa Rosa atende 1,2 mil alunos em três turnos e conta com três funcionárias, mas uma está afastada por ser do grupo de risco. A diretora comenta que precisaria de, ao menos, cinco profissionais para o serviço.
"Não tem monitor, não tem secretária. Eu vou ter que abrir o portão, colocar o termômetro. Em condições normais já tinha dificuldade, imagina agora", desabafa Isabel.
A diretora disse ao Brasil de Fato RS que está de plantão desde a semana passada, das 8h às 18h, esperando a entrega dos Equipamentos de Proteção Individuais (EPIs): "Não recebemos nada até agora. Nem álcool em gel, nem os tapetes e nem máscaras. Inclusive, nos prometeram três mil máscaras. Vão durar poucos dias para a demanda que teremos".
Em reunião com o Círculo de Pais e Mestres (CPM) da escola, a comunidade escolar decidiu que não voltará enquanto não houver segurança para educadores e estudantes. "Fizemos uma reunião e enviamos uma ata para a CRE e a Seduc informando que não voltaremos. Sequer se dignaram a nos responder", lamenta a diretora.
Fartura
A EEEM Governador Walter Jobim, de Viamão, tem uma sala inteira destinada a armazenar álcool em gel. A diretora Rosane Dorneles conta - achando graça do exagero - que a escola recebeu mais de 1,7 mil litros. Fora isso, nem máscaras, nem tapetes, nem termômetros. Nada.
"Nossa escola tem mais de mil alunos e mais de 30 salas, mas só dois funcionários em condição de trabalho para realizar a limpeza. O restante é de grupo de risco. Estamos desde dezembro passado sem professor de espanhol. Também falta monitor e secretário", relata Rosane.
Questionada sobre qual a resposta da mantenedora para a reposição dos quadros de RH, diz que os pedidos ficam estagnados, nunca evoluindo do status de "em análise". “Nós esperamos que o Estado respeite o decreto da prefeitura, que não permite a reabertura no dia 20. Porque nós não temos e não teremos condições. Quase toda a comunidade escolar também é contra o retorno”, conta a diretora.
Insegurança
De volta à capital, a EEEF Brasília, que atende cerca de 150 alunos do bairro Navegantes, está sem funcionários para realizar a limpeza. “Só temos uma e está de licença desde março. Ela já avisou que não volta”, explica a diretora Ana de Araújo Siqueira. “Não tem segurança para essa volta. Precisaríamos de mais duas funcionárias e a nossa merendeira também é do grupo de risco. Já solicitamos pessoal na CRE, mas até agora nada de retorno”, continua.
Faltam, também, supervisora e orientadora educacional. A diretora e a vice se revezam para atender a comunidade, que registra altos índices de vulnerabilidade e tem dificuldades com o ensino remoto. Ainda assim, só dois dos mais de 50 pais disseram que vão enviar os filhos à escola.
“Em primeiro lugar a vida, o ano a gente recupera. É incoerente pedagogicamente, porque o pedagógico só faz sentido se tiver segurança. Não é má vontade, nós queremos trabalhar, mas queremos condições para isso”, observa.
Quanto aos equipamentos de proteção, falta quase tudo. Só na quinta-feira a escola recebeu quatro termômetros. Ana também avalia com preocupação a responsabilidade que o estado coloca no ombro dos educadores.
“Na minha opinião, cada escola deveria contar com um agente de saúde. Não somos da área. Como eu vou identificar um assintomático? Na nossa comunidade escolar, a maioria ou é de grupo de risco ou mora com pessoas que são”, avalia Ana.
"Parece que a gente é escravo"
Em Faxinal do Soturno, encontramos uma exceção que confirma a regra. A escola do campo São Domingos Sávio já recebeu termômetros, dispensers, tapetes sanitizantes e outros equipamentos. Mas os materiais foram fornecidos pelo município, não pelo estado. Do governo Leite, até o momento, apenas galões e tubos de álcool em gel.
"O pior é ficar de plantão na escola esperando o tal caminhão. A gente vem todo dia e fica aqui feito palhaço. Seria tão fácil o governo se organizar e montar um cronograma de entrega. Parece que a gente é escravo", lamenta a diretora Daniela Zanon.
Por lá, uma única merendeira faz tudo; cozinha de manhã, limpa a escola à tarde. "A mantenedora sabe que precisamos de mais gente. Agora nem pedimos mais, cansamos”, desabafa.
Como a escola oferece Ensino Fundamental e a bandeira vermelha da região foi a última a cair, a previsão de retorno ficou para o dia 4 de novembro.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira