O decreto 10.502/2020, de autoria do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), entrou para o rol das controvérsias que circundam o governo. O texto trata da chamada “Política Nacional de Educação Especial (PNEE)” e prevê um atendimento para pessoas com deficiência por meio de classes e instituições específicas. Na prática, ao ofertar essas opções, a norma flexibiliza o sistema educacional.
Especialistas em educação afirmam que o decreto abre uma janela de oportunidade para que escolas convencionais não aceitem mais alunos com deficiência em seus quadros. Com isso, tende a incentivar a segregação dos estudantes.
Segundo o Ministério da Educação, o objetivo seria fazer a educação especial chegar a mais de 1,3 milhão de pessoas. Isso inclui alunos com deficiência, autistas e estudantes considerados superdotados. O governo também diz que o decreto ajuda a “gerar justiça e igualdade de oportunidades” e fortalece o “direito de escolha das famílias”.
Mas a medida, publicada no final de setembro, coleciona críticos. Entre eles, estão parlamentares, educandos, pais e especialistas. E o que eles argumentam, afinal? É o que o “BdF Explica” coloca em pauta esta semana para destrinchar a polêmica, iluminando o tema.
Inconstitucional
O grupo crítico à proposta de Bolsonaro afirma que o decreto fere a Constituição Federal porque a Carta Magna assegura a pessoas com deficiência o direito à educação preferencialmente em escolas regulares. A ideia da norma é a de incentivar a perspectiva da plena integração desses estudantes.
O grupo também aponta que, ao segmentar os alunos, dividindo o universo educacional entre estudantes com e sem deficiência, o dispositivo gera exclusão e por isso fere ainda outras legislações que trazem diretrizes para a educação inclusiva. Entre elas, estão o Estatuto da Pessoa com Deficiência, conhecido ainda como Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2015), e a Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Esta última tem força de lei no Brasil porque foi oficializada por meio do decreto legislativo 186/2008 e pelo decreto 6949/2009.
Retrocesso
Os críticos da medida de Bolsonaro ressaltam também que o decreto 10.502/2020 impõe um retrocesso de cerca de três décadas ao país porque remonta ao modelo adotado pelo Brasil entre as décadas de 1960 e 1990. Nesse período, os estudantes eram segregados e os alunos com deficiência sofriam maior preconceito, ao serem culpabilizados pelas dificuldades do processo de ensino e aprendizagem voltado ao segmento.
Como forma de superar esse modelo, a última norma relacionada à Política Nacional de Educação Especial (PNEE), publicada em 2008, tinha como foco a inserção de pessoas com deficiência em turmas regulares. Apesar de não ter acabado com as escolas especiais, ela impulsionou a procura por matrículas de alunos com deficiência em instituições convencionais.
Para se ter uma ideia, o Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) de 2019 identificou um total de 1.250.967 educandos com necessidades especiais na educação básica do país. Desse total, 87% estão em escolas convencionais e em turmas comuns, enquanto 13% estão matriculados em instituições ou classes especiais.
A ideia da PNEE de 2008 era complementar a educação do segmento com um apoio especializado quando necessário, mas sem excluir esses estudantes dos ambientes frequentados pelos outros alunos, o que especialistas apontam que a PNEE do governo Bolsonaro tende a fazer.
Reação
Por conta disso, o senador Fabiano Contarato (Rede-ES), por exemplo, classificou a medida do governo como “excludente e ilegal” e apresentou no Congresso, em conjunto com a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 437/2020. O objetivo é suspender os efeitos do texto. A bancada do PSOL e os deputados Maria do Rosário (PT-RS) e Aliel Machado (PSB-PR) também apresentaram, na Câmara, diferentes propostas com o mesmo teor.
Diversos especialistas e organizações também criticaram o decreto do governo nesse mesmo tom. Nesse segmento estão instituições como AcolheDown, Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Campanha Nacional pelo Direito à Educação, além de diferentes universidades, como é o caso da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O grupo afirma que os alunos com necessidades especiais se sentem mais incluídos socialmente e melhoram o seu desempenho cognitivo quando têm a oportunidade de estar em um ambiente escolar igual ao de todo mundo. Nessa mesma sintonia, familiares de estudantes com deficiência relatam avanços no desenvolvimento desses educandos quando eles são inseridos numa escola convencional, o que não ocorre quando se trata das unidades especiais de ensino.
Por conta disso, muitos familiares estão protestando na internet desde o dia de publicação do decreto 10.502/2020. Na mobilização, eles chamaram a atenção do país por meio da hashtag “#EscolaEspecialNaoÉInclusiva”. Paralelamente a essa articulação social contra a proposta, os críticos do dispositivo tentam invalidar a norma de Bolsonaro no Congresso Nacional, por meio dos PDLs mencionados, que ainda não foram apreciados pelos parlamentares.
Edição: Rodrigo Chagas