Pandemia

Quase 65% dos casos de coronavírus no Ceará acometem a população negra

Número é muito maior que a média nacional de 38,41%

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
As periferias de Fortaleza foram bastante atingidas pela pandemia - Rovena Rosa/Agência Brasil

O número de casos confirmados de covid-19 na população negra e parda do Ceará está muito acima da média nacional. Se no Brasil essa população responde por 38,41% dos casos confirmados de coronavírus, no Ceará a população negra e parda é responsável por 64,9% dos casos confirmados. O estado do Ceará, que já foi o terceiro estado mais afetado pela covid-19, atualmente é o quinto estado mais atingido pela pandemia com 243.106 casos e 9.056 óbitos.

Segundo o médico João Almeida, integrante da Rede Nacional de Médicos Populares no Ceará, é uma mentira dizer que o coronavírus atinge todas as classes sociais da mesma forma. Para ele, mesmo que a pandemia tenha começado nos bairros nobres, ela atingiu com maior força a periferia da cidade, onde se encontra a maioria da população negra, “eu enquanto médico de família trabalhando em uma favela, no Oitão Preto, tenho percebido o quanto essa pandemia tem afetado a saúde da população negra. Na sua grande maioria, a classe trabalhadora pobre mora nesses territórios e essas pessoas não tiveram o privilégio de ficar em casa cumprindo a quarentena, os trabalhos que elas fazem são serviços na linha de frente”, afirmou.

Leia tambémCovid-19: uma epidemia com cor e classe social 

Um estudo conduzido pela University of Chicago, nos Estados Unidos, concluiu que os negros correm mais risco de contrair a covid-19 do que os brancos. A pesquisa, divulgada pelo jornal Annals of the American Thoracic Society, aponta dois fatores que fazem com que o número de atingidos entre a população negra seja maior que o na branca: casas com grande número de moradores e comorbidades.

Outro destaque do estudo é a participação da população negra em serviços essenciais como motoristas de ônibus, funcionários do saneamento básico, entregadores de alimentos, atividades que continuaram trabalhando durante a pandemia e, com isso ficaram, mais expostos ao coronavírus.

Pedro Soares, morador de Fortaleza e que se identifica enquanto população negra, afirma que sentia muito medo de contrair o coronavírus por ser do grupo de risco. Ele começou a sentir os primeiros sintomas, como dor no corpo, e decidiu fazer o exame, “quando o exame deu positivo o medo só aumentou. Senti os sintomas básicos: perda de paladar, sem sentir cheiro... Tive medo de contaminar meus filhos, moramos todos juntos, casa de pobre é todo mundo juntinho”. Segundo Pedro, na sua família todos tiveram sintomas, mas só ele e o filho fizeram o teste, “a maior dificuldade foi o isolamento, pobre não tem como se isolar”, afirmou.

Leia maisArtigo | A população negra e a pandemia da covid-19

Um outro fator que explica o elevado número de contaminação na população negra é que ela é a maior parte nas equipes de saúde que estão na linha de frente contra o coronavírus, tendo contato direto com pacientes infectados.

Segundo dados do Ministério da Saúde, os técnicos e auxiliares de enfermagem correspondem por 34,12% dos profissionais de saúde acometidos pela covid-19. De acordo com a Pesquisa Perfil da Enfermagem no Brasil, realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com o Conselho Federal de Enfermagem, 57,4% dos auxiliares e técnicos em enfermagem no Brasil são negros e pardos.

Para João Almeida, os transportes públicos cheios, as casas com uma lotação alta, sem ventilação e com várias gerações dividindo o mesmo ambiente também ajudam a explicar o alto índice de pessoas contaminadas pela covid-19 na população negra do Ceará. “Essas pessoas com todas essas mazelas, todos esses problemas sociais não são de agora, mas a pandemia escancarou, são problemas de mais de 500 anos na nossa história. Essas pessoas, na sua grande maioria pobres e negras, sofrem uma consequência maior do coronavírus”, afirmou. 
 

Fonte: BdF Ceará

Edição: Monyse Ravena