Ativistas, parlamentares e especialistas em eleições dos continentes europeu e americano viajam à Bolívia esta semana com a missão de acompanhar e fiscalizar a eleição presidencial do próximo domingo (18). Os relatos dos observadores revelam preocupação com a atuação do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) e, ironicamente, com o papel das próprias organizações estrangeiras que se propõem a avalizar o pleito.
Em 2019, a reeleição do então presidente Evo Morales, do partido Movimento ao Socialismo (MAS) foi impedida após auditoria da Organização dos Estados Americanos (OEA), que informou uma suposta fraude na apuração dos votos. Aquela acusação – já descartada por estudos independentes – inflamou opositores e levou à renúncia de Morales, hoje exilado na Argentina.
A OEA foi mantida na lista de observadores oficiais no pleito de 2020, apesar do “rechaço categórico” do MAS. “Não é ético que eles voltem a participar, porque foram parte e cúmplices do golpe à democracia e ao Estado Social de Direito Constitucional da Bolívia”, manifestou-se o partido, ressaltando que os chefes da missão da OEA são os mesmos que atuaram em 2019.
O TSE também confirmou a presença de missões da União Europeia, que já está no país, do Centro Carter, fundado pelo ex-presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter, da União Interamericana de Organismos Eleitorais e da Associação de Organismos Eleitorais da América do Sul.
Políticos de países vizinhos estão a caminho da capital La Paz a convite do governo interino, de organizações sociais ou voluntariamente. Entre eles, há representantes do Parlasul, órgão democrático e legislativo da representação civil dos povos dos países que integram o Mercosul, como a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP).
Para a parlamentar, que chega ao país sul-americano na noite desta quinta (15), “a Bolívia passa por uma situação muito difícil. O governo golpista de Jeanine Áñez trabalha para tumultuar o processo eleitoral, buscando manter no poder a oligarquia imperialista que lhe dá sustentação”.
“Nossa ida ao país para acompanhar de perto as eleições tem como objetivo fiscalizar e impedir qualquer tentativa de manipulação ou violência política. O povo boliviano precisa ser respeitado em sua decisão nas urnas e o país deve ter sua soberania resguardada”, completa Bomfim.
A jornalista e ativista estadunidense Zoe Pepper-Cuningham chegará à Bolívia na sexta (16). Ela integra a delegação de observação da ONG Codepink, que se apresenta como “movimento popular de paz e justiça social que trabalha para acabar com guerras e ocupações financiadas pelos EUA pelo mundo”.
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“Vamos participar da agenda preparada pelo TSE, que fará orientações gerais sobre como funcionam as eleições, qual a metodologia para observação”, relata a ativista. “Apesar de todas as restrições de mobilidade que a pandemia nos impõe, é importante estarmos lá para observar, documentar e garantir que não haja fraude e que a lei seja cumprida”.
A observadora estadunidense chama atenção para as manobras que levaram ao adiamento das eleições – que deveriam ter ocorrido no primeiro semestre, antes mesmo da chegada da covid-19 ao país.
“Temos visto com muita preocupação todos os golpes à democracia boliviana: a perseguição jurídica a líderes do MAS, acusações absurdas de terrorismo, e tudo isso com a finalidade de debilitar o partido. O próprio TSE atuou de maneira irregular, por exemplo, ao consentir com esses adiamentos mesmo sob protesto da população”, adverte.
A violência que tomou conta após o golpe de Estado do ano passado deixa um sinal de alerta para este novo pleito presidencial, como observa Pepper. “Estamos em um contexto de reiterados golpes à democracia, às instituições, desde o golpe, com muitas ações sucessivas. Ouvimos muitos rumores, tivemos acesso a vídeos em que representantes das Forças Armadas dizem ter autorização para disparar contra manifestantes, e tudo isso nos preocupa muito”.
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Ameaças a jornalistas
Logo na chegada à Bolívia, integrantes do Codepink e de veículos estrangeiros como Russia Today (RT) e Sputnik foram fotografados no aeroporto e ameaçados nas redes sociais. Jornais locais que se opuseram à reeleição de Morales em 2019, como o Página Siete, alegam que muitos dos observadores “apoiam Maduro” – presidente da Venezuela.
O TSE esclareceu à imprensa que o Codepink tem aval do Departamento de Estado dos EUA e, por isso, está autorizado a acompanhar e fiscalizar as eleições.
Jornalistas também começam a sofrer pressões. Max Blumenthal, experiente repórter estadunidense que acaba de chegar à Bolívia para cobertura do pleito pelo The Grayzone, foi chamado pelo candidato de direita Luis Fernando Camacho de “especialista em desinformação”: “Encarregado de reafirmar a teoria do golpe”, disse o candidato em suas redes sociais.
Observadores noruegueses, que formaram o Grupo de Apoio ao Processo Eleitoral na Bolívia, enviaram nesta quinta-feira (15) uma carta ao chanceler da Noruega. No texto, a entidade pede que o país denuncie ao Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) manobras do governo interino, que estaria preparando uma fraude eleitoral para evitar a vitória do MAS.
Além dos observadores estrangeiros, se somam à tarefa organizações bolivianas como Ruta de la Democracia e Observa Bolivia. Nenhuma delas qualificou o processo de anulação das eleições de 2019 como golpe nem se contrapôs à OEA sobre a hipótese de fraude.
As pesquisas eleitorais indicam que o pleito será novamente acirrado. Luis Arce, candidato do MAS, aparece em primeiro lugar. A margem de erro sinaliza que pode haver vitória em primeiro turno. Para isso, Arce precisaria obter mais de 40% dos votos válidos e abrir 10 pontos percentuais em relação ao segundo colocado.
Carlos Mesa (Comunidade Cidadã), que representa a direita liberal ou tradicional, está em segundo lugar, seguido por Camacho (Acreditamos), ex-presidente do Comitê Cívico de Santa Cruz e considerado um dos responsáveis pelo golpe de 2019.
Edição: Vivian Fernandes